Título: O drama de menores no corredor da morte
Autor: Azevedo, Cristina
Fonte: O Globo, 04/11/2007, O Mundo, p. 44

Dezenas de jovens infratores com menos de 18 anos aguardam execução, a maior parte no Irã.

Airaniana Atefeh Rajabi Sahaaleh era uma adolescente de 16 anos quando foi enforcada em praça pública, em 2004. Seu corpo foi levantado por um guindaste até que sufocasse. Ela fora presa pela primeira vez aos 13 anos após ser encontrada num carro com um menino, e condenada depois por quatro vezes por crimes contra a castidade. Na Arábia Saudita, Rizana Nafeek aguarda um recurso contra a pena de morte. A jovem emigrou aos 17 anos do Sri Lanka para trabalhar como babá e, assim, ajudar a família que perdera a casa com a tsunami. Mas o bebê do qual Rizana tomava conta morreu. Segundo ela, o menino engasgou com o leite. De família pobre, seu caso atraiu a atenção de organizações de direitos humanos, o que lhe dá uma chance de ter um destino diferente dos 38 menores infratores executados nos últimos sete anos em países como Irã, República Democrática do Congo, Estados Unidos, Paquistão, China, Sudão, Arábia Saudita, Iêmen e Afeganistão.

Os números são baixos se comparados às execuções totais, mas chamam a atenção pela idade dos condenados. Alguns são sentenciados à morte aos 13 anos. Outros passam a adolescência na prisão até completarem 18 anos e a pena ser aplicada, numa violação das leis internacionais. As acusações e a idade do condenado nem sempre são claramente informadas. Em geral, esses jovens são condenados por crimes violentos, mas há também os casos de crimes contra a castidade, crimes sexuais, homossexualismo e drogas, denuncia a Anistia Internacional (AI) em novo relatório sobre o assunto que cita o Irã como o principal executor.

¿ Alguns Estados esperam até o adolescente completar 18 anos, é sua maneira de interpretar a lei internacional ¿ conta de Londres, por telefone, Piers Bannister, coordenador da equipe sobre pena de morte da AI, chamando a atenção para a subnotificação dos casos. ¿ É difícil obter informações sobre as execuções, que muitas vezes ocorrem em segredo. Não há dados centralizados e os governos se recusam a repassá-los.

Essas execuções, em geral, ocorrem em países muçulmanos, explica Bannister, que indica como ponto comum a sharia, a lei islâmica, que prevê a maioridade mais cedo. Em alguns países, um menino de 12 anos pode ser considerado adulto. No entanto, até bem pouco tempo China e Estados Unidos também faziam parte da lista de executores.

O Irã é, sem dúvida, o maior executor de menores, além de segundo colocado na lista de execuções em geral, segundo a Anistia Internacional. Nos últimos sete anos, a sentença de morte foi aplicada a 16 jovens iranianos que cometeram crimes quando tinham menos de 18 anos. Outros 71 aguardam a aplicação da pena.

¿ É uma sociedade que executa pessoas após julgamentos injustos. Mesmo a execução não segue métodos mais comuns, como a forca tradicional, na qual o pescoço é quebrado. No Irã, o condenado é suspenso por um guindaste e morre por estrangulamento, de forma mais lenta ¿ conta Bannister. ¿ Há movimentos dentro do Irã contra isso e até um projeto de lei, mas as restrições à liberdade de expressão limitam o debate sobre o assunto e a pressão sobre o governo.

Entre os que aguardam a execução está Sina Paynard. Ele tinha 16 anos quando foi comprar maconha num parque de Teerã e matou o traficante com um canivete numa briga. Apesar de a defesa alegar que ele estava sob efeito de drogas e que havia sido diagnosticado como bipolar anos antes, foi condenado à morte.

Kathleen M. Heide, especialista em criminalidade juvenil e professora do Departamento de Criminologia da Universidade do Sul da Flórida, não acredita que a pena de morte aplicada a adolescentes possa reduzir os índices de crimes.

¿ Os jovens são mais impulsivos que os adultos, e seu cérebro se desenvolve até os 22, 25 anos. E a última área de desenvolvimento é o córtex pré-frontal, responsável pelas decisões. Muitos se envolvem com drogas e álcool, o que aumenta a possibilidade de responderem com violência ¿ explica.

Organizações de defesa dos direitos humanos têm registrado avanços nos últimos anos, com a pressão internacional e uma diminuição no número de países que aplicam esse tipo de sentença. Mas esses progressos têm se alternando com a retomada das execuções em algumas nações. O Iêmen elevou, em 1994, para 18 anos a idade mínima para a aplicação da pena, mas este ano executou um jovem que teria cometido um crime aos 16 anos, segundo a Anistia Internacional. Em 1997, a China alterou a lei para proibir a pena para menores, mas em 2003 e 2004 executou dois jovens que teriam 16 anos na época do crime, segundo a AI ¿ Pequim diz que já tinham mais de 18 anos. O Paquistão também proibiu a execução de menores em 2000, mas o país tem praticamente dois sistemas legais: o que o governo exerce e o das áreas tribais.

¿ Há fortes possibilidades de existir execução de menores nessas áreas ¿ credita Bannister.

Grupos de direitos humanos continuam a pressionar pelo fim das execuções de menores de idade e levantam fundos para o pagamento de advogados para os réus, que muitas vezes vêm de famílias pobres. Enquanto isso, Rizana e Sina esperam que suas histórias tenham um final diferente.