Título: Gás muito além da inflação
Autor: Nogueira, Danielle; Ribeiro, Erica
Fonte: O Globo, 02/11/2007, Economia, p. 27

O GARGALO É NOSSO

Postos chegam a subir preços em até 11%. Petrobras quer desestimular consumo.

Ogás natural veicular (GNV) foi o único combustível cujo preço aumentou em 2007. O reajuste acumulado até outubro medido pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Getúlio Vargas foi de 10,25%, bem acima da inflação do período, que está em 3,6%, pelo mesmo indicador. Todos os outros combustíveis apresentaram queda, sendo o álcool o que teve maior redução, de 10,61%. Diante da crescente demanda pelo gás natural e da necessidade de corte do fornecimento do insumo às distribuidoras pela Petrobras na terça-feira, o presidente da estatal, José Sergio Gabrielli, afirmou, em Nova York, que é preciso "desestimular" o consumo do produto. Ontem, a estatal negou que estivesse propondo reajuste do preço de 30% do preço do gás às distribuidoras.

- O preço do gás hoje está desalinhado com o preço dos combustíveis alternativos, fazendo com que o consumo de gás seja estimulado num momento em que deveria ser o contrário, deveríamos desestimular o consumo do gás - afirmou Gabrielli, em entrevista à GloboNews.

Entre 2003 e 2005, a Petrobras manteve o preço do gás congelado para fomentar o consumo, pois havia carência de demanda. Hoje a situação se inverteu, com crescimento da demanda de quase 20% ao ano. Sem gás para atender a todos os clientes, a estatal teve de cortar o suprimento no Rio e em São Paulo. Aqui, o fornecimento foi restabelecido por uma liminar na Justiça. A empresa pretende recorrer da decisão na próxima semana.

Mesmo com a alta acumulada no ano, o GNV é mais barato que seus concorrentes, com a exceção do álcool. Em outubro, o preço médio do GNV no país foi de R$1,359, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). A gasolina ficou em R$2,479, o diesel, em R$1,856, e o álcool, em R$1,321. Os preços referem-se ao período de 1º a 25 de outubro, antes, portanto, do corte de gás da Petrobras às distribuidoras. No ano, o preço da gasolina acumula queda de 2,03% e o do diesel, 0,14%, de acordo com o IPC. No mês de outubro, o GNV avançou 0,67%, acima da inflação de 0,13%.

O economista da FGV, André Braz, explicou que, como o GNV não é controlado, a relação entre oferta e demanda é o que baliza seu preço.

- A demanda é grande. Por isso, o preço sobe. O álcool, apesar de também não ser controlado, teve uma safra forte. Com muita oferta, o preço caiu.

Ontem, postos da Zona Sul do Rio chegaram a aumentar o preço do metro cúbico do GNV em até 11%. Em um posto na Glória, o valor era de R$1,49, quando normalmente o valor gira entre R$1,34 e R$1,39.

O aumento atinge os 30 mil taxistas da capital. Para Roberto Francisco, de 45 anos, a margem de lucro com o GNV já é apertada. A hipótese de usar outro combustível está descartada.

- Estamos assustados com o que está acontecendo. O GNV é hoje uma questão de sobrevivência - diz.

O comércio de instalação de kits de gás também já sente o impacto da alta dos preços. Na InvestGás, a queda no movimento chegou a 40%.

Gabrielli também defendeu que o mercado de gás seja regulado. Uma das razões apontadas por especialistas para a crise do gás é a existência de um mercado livre, em que consumidores - em geral grandes indústrias - não informam sua demanda às distribuidoras previamente. Quando precisam de energia, simplesmente vão ao mercado. Isso faz com que o preço da energia vendida a curto prazo suba, em especial no período de estiagem (abril a novembro), quando o nível dos reservatórios das hidrelétricas diminui. O resultado é que o preço da energia gerada por térmicas torna-se mais competitivo, levando o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) a acioná-las.

Para evitar essa situação, a Petrobras quer renegociar os contratos. O presidente da CEG e CEG-Rio, Bruno Armbrust, afirmou que a estatal quer incluir em um novo contrato mais 650 mil m por dia ao atual volume contratado, de 5,2 milhões de m. O 1,7 milhão de m restante ficaria sob a forma de contrato flexível, o que daria margem para corte quando fosse necessário fornecer gás a usinas térmicas - hoje CEG e CEG-Rio retiram um total de 7,5 milhões de m, acima do volume contratado.

- Como eu posso assinar um contrato em volumes inferiores ao que se consome no Rio? Não há como fazer - diz Armbrust.

Em simulação feita a jornalistas, Armbrust disse que, se a Petrobras elevasse o gás em 30%, o aumento para o consumidor seria de 24%, pois o peso do gás fornecido pela empresa no preço final do gás ao consumidor é de 80%. A Petrobras negou que estivesse propondo tal reajuste.

(*) Com Globo Online e Extra