Título: Aprovada reforma de Chávez
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Fonte: O Globo, 03/11/2007, O Mundo, p. 30
A NOVA CARTA VENEZUELANA
Assembléia sanciona projeto polêmico que expande poder de presidente ao alterar Constituição.
CARACAS
A Assembléia Nacional da Venezuela sancionou ontem o polêmico projeto de reforma constitucional do presidente Hugo Chávez, que dá a ele a possibilidade de governar indefinidamente ao eliminar os limites de reeleição, além de ampliar a concentração de poderes e eliminar direitos básicos durante estados de exceção. Chávez considera a reforma - que será submetida a referendo - fundamental para consolidar a sua revolução socialista, mas a medida é duramente criticada por opositores. Apesar da preocupação que desperta em vários setores, pesquisas mostram que ela deverá ser aprovada pelos venezuelanos.
A reforma, aprovada por 160 votos a favor e sete contra, ameaça gerar uma nova onda de instabilidade política, num país profundamente dividido. O projeto aprovado modifica 69 dos 350 artigos da Constituição de 1999. A Assembléia entregou ainda ontem o projeto ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE), sugerindo que a votação seja realizada em dois blocos. O CNE terá um mês para a realização do refendo, sendo mais provável a sua realização no dia 2 de dezembro.
A Assembléia é dominada por partidos que apóiam o governo, após o boicote da oposição às eleições legislativas. Mesmo assim, o projeto provocou um racha na base governista, com o protesto do Podemos, que considerou que a quantidade de modificações requeria a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte e reiterou que a maioria dos venezuelanos desconhece o conteúdo dos artigos.
- Hoje é uma página negra na história do nosso país - declarou Ismael García, líder do Podemos.
A Igreja Católica, grupos estudantis, empresários e partidos de oposição também criticam a reforma, alegando que ela viola direitos importantes dos cidadãos e gera concentração de poder nas mãos do presidente. Na véspera, estudantes entraram em confronto com chavistas e a polícia após entregarem um pedido de adiamento do referendo à direção do CNE.
Deputado acusa "traidores"
Após uma longa sessão, em que foram lidos todos os artigos a serem apresentados no referendo, os parlamentares aprovaram o texto aos gritos de "sim, sim, sim!".
- Estamos sancionando a reforma constitucional e se escreverá com clareza a página do povo venezuelano que marca os caminhos que vamos seguir - discursou o deputado Carlos Escarrá, um dos principais defensores do projeto.
Um dos pontos mais polêmicos da reforma é a eliminação dos limites à reeleição, que críticos vêem como uma forma de Chávez, já em seu segundo mandato, perpetuar-se no poder. Outro ponto criticado é o que suspende as garantias à informação e ao devido processo judicial durante estados de exceção. Desta forma, pode haver censura aos meios de comunicação e uma pessoa pode ser presa sem acusação formal. Controvertido também é o artigo que trata da reorganização territorial, permitindo ao presidente criar e eliminar províncias, distritos e "cidades comunais" por decreto e nomear autoridades para administrá-las. Além disso, faculta ao presidente a decisão de nomear o prefeito do Distrito Federal, o que privaria os 4 milhões de eleitores de Caracas de elegerem seu administrador.
As pesquisas mostram que muitos venezuelanos se opõem à concentração de poder, mas são a favor de algumas medidas incluídas no pacote, como a redução da carga de trabalho diária de oito para seis horas - vista por críticos como uma forma de Chávez adoçar o projeto. Com apenas um mês para o debate das medidas, o presidente deve ganhar o aval dos venezuelanos num reflexo de sua popularidade entre os mais pobres. Mesmo assim, partidários do governo estão tentando mobilizar a população, já que a abstenção deve ser alta.
O vice-presidente da Assembléia, o deputado Roberto Hernández, rebateu as críticas e disse que os 7,5 milhões de venezuelanos que votaram em Chávez estavam votando também em seu projeto socialista.
- São patriotas os que apóiam (a reforma) por completo e traidores os que criticam seus detalhes - disse Hernández, alfinetando os que se opõem à reforma.
A proposta será submetida a consulta popular em dezembro e deve ser votada em dois blocos de artigos: o primeiro com aqueles que estavam na proposta original de Chávez e outros com artigos modificados pela comissão parlamentar. Apesar de o referendo ser marcado pelo CNE, o próprio Chávez havia anunciado sua realização em 2 de dezembro.