Título: Somos vítimas de um golpe de Estado
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 03/11/2007, O Mundo, p. 31

Ismael García, secretário-geral do Podemos, diz que projeto é autoritário e não tem apoio da sociedade.

BUENOS AIRES. Depois de terem sido acusados de traidores da pátria pela maioria chavista da Assembléia Nacional, os oito integrantes do movimento Podemos, único que se opôs ao projeto de reforma constitucional, decidiram seguir lutando contra a implementação da reforma nas ruas do país. "Chávez está perdendo espaço político porque este projeto de reforma já foi derrotado na sociedade, o povo não está do lado do presidente", disse o secretário-geral do movimento, Ismael García.

Como o senhor define o que aconteceu hoje (ontem) na Assembléia Nacional?

ISMAEL GARCÍA: Foi um golpe de Estado contra a Constituição de nosso país. Foram violados nossos princípios constitucionais. Sempre fui um homem de esquerda, acredito no socialismo, mas deve ser um socialismo democrático, como existe, por exemplo, na Espanha. As mudanças devem respeitar as normas do país e as mudanças devem partir da sociedade e não do Estado. Como o governo tem uma ampla maioria na Assembléia Nacional, pedimos a convocação de uma Assembléia Constituinte. Mas o governo se negou e usou sua maioria para impor ao país um modelo de Estado hegemônico. Acompanhamos o presidente Chávez em tudo, votamos onze vezes por ele, mas sempre o fizemos respeitando nossa Constituição de 1999, que inclui e não exclui. A reforma só poderia ser feita com uma Assembléia Constituinte, mas o governo está usando seu poder para impor uma mudança na estrutura do Estado.

Quais são as mudanças questionadas pelo Podemos?

GARCÍA: O presidente poderá, por exemplo, designar o prefeito de Caracas, uma das autoridades mais importantes do país, já que na capital votam 4 milhões de venezuelanos. Com a nova geometria do poder, muitas autoridades serão nomeadas pelo presidente. O Banco Central, que hoje é autônomo, passará a depender do Executivo. Isso é grave, porque o trabalho do Banco Central é manter o equilíbrio econômico de nossa sociedade, proteger nossa moeda, não pode depender do presidente. Outra mudança importante será a criação de conselhos populares, conselho disso, conselho daquilo, e com isso perderão poder instituições importantes como as confederações empresariais e os sindicatos.

O projeto prevê a reeleição indefinida do presidente...

GARCÍA: Defendemos a necessidade de ter um equilíbrio, por exemplo, criando a figura do primeiro-ministro.

Qual será o próximo passo do Podemos a partir de agora, fazer campanha contra o governo no referendo de dezembro?

GARCÍA: Ainda estamos analisando nossos próximos passos. Este fim de semana teremos uma assembléia interna. Não posso anunciar nada ainda.

Durante a votação, representantes de seu movimento pediram que fosse adiada a entrega do projeto de reforma ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE)...

GARCÍA: Nada disso, eles estão violando todas as normas e vão entregar hoje (ontem) mesmo o documento ao CNE. O problema é que o povo está cada vez mais irritado com esta reforma. Quanto mais ela é divulgada, mais aumenta a rejeição ao projeto. Chávez está perdendo espaço político porque este projeto de reforma já foi derrotado na sociedade, o povo não está do lado do presidente. Nossa Constituição estabelece um período de até dois anos para aprovar uma reforma deste tipo, mas o governo, como sabe que a rejeição é enorme, quer aprovar o projeto de qualquer jeito, de madrugada, para evitar a reação popular.

Os chavistas acusaram os membros do Podemos de serem traidores da pátria...

GARCÍA: Nossa resposta foi simples: nós acreditamos no socialismo da pátria e não num Estado que impõe medidas. Não queremos um Estado que, em nome do povo, seja dono de tudo no país. Sentimos muita pena, porque sempre estivemos do lado do presidente neste processo. Fomos leais, mas sempre defendendo nossa Constituição, que é nosso projeto de vida. Mas hoje (ontem) decidimos dizer ao país que estamos sendo vítimas de um golpe de Estado. No passado, usaram as armas, hoje (ontem) usaram a Assembléia Nacional.

A atitude do governo poderia provocar mais violência no país?

GARCÍA: Estamos nas mãos de Deus, mas o que devemos fazer é sair às ruas para falar com o povo, para explicar nossa posição. Brigamos no Congresso e perdemos, mas continuaremos atuando com toda a força nas ruas.