Título: Apertem os cintos, o fiscal sumiu
Autor: Franco, Bernardo Mello; Oliveira, Germano
Fonte: O Globo, 06/11/2007, O País, p. 3

Em plena crise aérea, governo reduziu à metade verba para inspeção de aviões.

Apesar da comoção nacional com a colisão entre o Boeing 737 da Gol e o jato Legacy, que matou 154 pessoas em setembro do ano passado, o governo reduziu quase à metade o orçamento para a fiscalização da aviação civil no país. A verba destinada a financiar a inspeção das aeronaves que voam em rotas comerciais regulares caiu de R$17,2 milhões em 2006 para R$9,3 milhões este ano. Os números correspondem à dotação autorizada no Orçamento da União - ou seja, verbas cuja aplicação foi prevista e aprovada pela equipe econômica. A queda do Learjet 35 em São Paulo, no domingo, reforçou ainda mais as suspeitas de representantes do setor aéreo sobre a capacidade de fiscalização da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

Além das restrições orçamentárias, o número reduzido de inspetores da Anac toma contornos mais graves no ramo da aviação geral, que engloba helicópteros, jatos executivos e aeronaves operadas por empresas de táxi aéreo. De acordo com especialistas, a atenção com essa frota tem sido negligenciada em relação às aeronaves que fazem linhas regulares. Ao todo, o país tem 11.320 aviões registrados. A Anac tem apenas 210 técnicos para fiscalizar prioritariamente as 457 aeronaves da aviação comercial - mas também obrigados a fiscalizar a aviação geral.

O ex-presidente da agência Milton Zuanazzi, que deixou o cargo semana passada, admitiu que a falta de pessoal leva a agência a priorizar aviões de grande porte. Em setembro, a Anac aprovou a contratação de 80 inspetores na última fase do concurso público, mas as contratações ainda não foram publicadas no Diário Oficial.

- Falta fiscalização. Essa atribuição era dos militares, na época do DAC, que já era deficiente. Com a Anac, muitos militares foram para o setor privado, e a Anac não consegue fiscalizar tudo o que devia, aumentando a insegurança. De um orçamento de R$150 milhões anuais, a Anac destina apenas 6% para a fiscalização, o que é insignificante - disse a presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas, Graziela Baggio.

O dinheiro arrecadado pelo Fundo Aeroviário, obtido de parte da venda de combustíveis e de multas aplicadas a companhias aéreas, deixou de ser repassado para a fiscalização dos aviões. A gestão desses recursos é de responsabilidade da direção da Anac desde a criação da agência, no fim de 2005. Dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), obtidos pela ONG Contas Abertas, revelam outra face do problema: a má execução dos recursos destinados à inspeção de aviões. No ano passado, o governo empenhou - isto é, reservou para uso - apenas dois terços dos recursos previstos no Orçamento.

No foco das críticas desde a queda do Airbus da TAM em São Paulo, em julho, a agência decidiu agir diferente este ano. Em dez meses, gastou 99,2% da verba disponível até dezembro, segundo planilhas do último dia 2. A aplicação quase integral do dinheiro sinaliza que o ministro da Defesa, Nelson Jobim, terá dificuldades em cumprir a promessa, feita ontem, de reforçar a fiscalização do setor. Procurada pelo GLOBO ontem à noite, a Anac alegou não ter tempo hábil para explicar por que a verba para a inspeção de aeronaves encolheu.

- Esse número de fiscais não consegue fiscalizar as 1.400 aeronaves que fazem táxi aéreo nem os 1.048 helicópteros. Assim, deve ter muito jatinho voando sem condições. O ministro Jobim deixou de lado esse setor de táxi aéreo. Temos uma frota enorme sem ser fiscalizada regularmente - disse a presidente do sindicato.