Título: A história oculta venezuelana
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 06/11/2007, O Mundo, p. 30

Enquanto o mundo discute, em meio ao espanto de uns e à admiração de outros, as mudanças que Hugo Chávez impõe na Venezuela, outras transformações igualmente profundas mas menos visíveis estão ocorrendo no país. A Venezuela se converteu num importante centro de operações de redes criminosas que operam internacionalmente. O que mais atrai esses traficantes estrangeiros naquele país não é o mercado local, o que lhes seduz são as excelentes condições que oferece como base para a realização de seus negócios criminosos.

A localização do país, uma encruzilhada entre a América do Sul, o Caribe, a América do Norte e a Europa, é ideal. Fronteiras? Amplas, despovoadas e porosas. Sistema financeiro? Amplo e com controles governamentais fáceis de driblar para quem precisa fazê-lo. Telecomunicações, portos e aeroportos? O melhor que o petróleo pode comprar. Níveis de corrupção de políticos, militares, juízes e policiais? A Venezuela ocupa um vergonhoso posto de número 162 na lista da Transparência Internacional, que classifica 179 países de acordo com seus níveis de corrupção. Tem demonstrado o presidente Chávez algum interesse em enfrentar essas redes internacionais em seus oito anos de poder? Não muito.

Apesar desta situação parecer invisível neste momento para a opinião pública mundial, não o é para quem combate o crime transnacional. Para eles não interessam nem a Venezuela nem as políticas de Chávez, mas somente o fato de que a partir daquele país se irradiam para o resto do mundo tentáculos dessas redes criminosas globais. E os números falam: em 2003 partiram da Venezuela 75 toneladas de cocaína; este ano estima-se que serão 276 toneladas. Antes, o principal destino eram os Estados Unidos e o Caribe. Agora, é cada vez mais comum o envio para a Europa, com paradas técnicas em países africanos como Guiné Bissau, onde aumenta a comunidade de venezuelanos e de colombianos.

Um alto funcionário da polícia holandesa me contou que ele e seus colegas passam agora mais tempo em Caracas que em Bogotá e que muitos dos principais chefões dos cartéis de droga operam agora, e com maior impunidade e eficiência, a partir da Venezuela. E não há somente traficantes colombianos, mas também asiáticos, europeus e até gente da Bielorrússia, país que o presidente Chávez visitou várias vezes e dá particular atenção.

A Venezuela também aparece em todas as listas de paraísos mais usados para a lavagem de dinheiro. O dinheiro não chega ao país somente por meio de transações bancárias eletrônicas, a combinação de viagens com jatinhos privados, maletas cheias de dinheiro e imunidade diplomática tem aberto novas possibilidades. Recentemente, um membro da chamada burguesia bolivariana, o novo grupo de milionários que surgiu nos últimos anos, foi descoberto em uma aduana de Buenos Aires com pelo menos uma dessas maletas. Descoberto, mas não preso, já que viajava com um grupo de altos funcionários do presidente da Argentina, Néstor Kirchner. Há algumas semanas, no Uruguai, foi denunciado o tráfico ilegal de armas e munições iranianas facilitado por venezuelanos que tentavam, dessa forma, driblar o embargo imposto pelo Conselho de Segurança da ONU. A história oculta da Venezuela pode acabar sendo muito mais importante para o destino do país do que os experimentos de Chávez.

MOISÉS NAÍM escreveu este artigo para o `El Pais¿