Título: Pelo menos 70 mil dramas
Autor: Farah, Tatiana; Autran, Paula
Fonte: O Globo, 08/11/2007, O País, p. 3

PERIGO NO AR E NA TERRA

Suspensão de vôos da BRA deixa milhares de passageiros desamparados e com prejuízo.

Acrise no setor aéreo não pára de provocar sofrimentos. Em São Paulo, o caminhoneiro Jurandir Alves da Silva pagou R$1.276 - "dinheiro vivo, em notas de R$50" - para viajar com a mulher, Antonia, e a filha de 12 anos, Aline, em um avião da BRA para a Paraíba. A família vai mudar-se de Guarulhos para Sossego, a cem quilômetros de Campina Grande. Agora, com a suspensão dos vôos da BRA, Jurandir teve de comprar três passagens de ônibus: vai viajar 2.800 quilômetros de estrada por 44 horas. Gastou mais R$844, fora alimentação.

A mudança foi planejada por três anos. Jurandir vendeu o caminhão. Contratou empresa de mudança. Juntou o dinheiro das passagens. Comprou casa na Paraíba. Planejou viajar no sábado e receber o caminhão de mudança. Mas, no guichê da BRA ontem, sofria com a desinformação e o prejuízo:

- Disseram que eu não poderia viajar por outra empresa, mesmo pagando a diferença para não pegar a estrada. Depois, disseram que eu só teria direito a 20% do reembolso, mandando eu ler as letrinhas pequenas da passagem.

As duas informações estão erradas: Jurandir poderia tomar outro avião, endossando o bilhete no sábado sem pagar extra, desde que houvesse lugar nos vôos, e tem direito a 100% de reembolso. No entanto, desesperado, o caminhoneiro comprou as passagens de ônibus, ficando com o prejuízo. A sonhada volta à Paraíba vai demorar mais.

No Rio, o primeiro dia sem vôos da BRA foi de fila e preocupação em frente ao guichê da companhia, no terminal 2 do Aeroporto Internacional Tom Jobim, único que ficou aberto ontem, das 9h às 18h, com dois atendentes. A BRA confirmou que tem pelo menos 70 mil passagens vendidas até 30 de março próximo. À espera de soluções, estão passageiros como a paraense Simone Oliveira, acompanhada do marido, Renato, e da filha de 9 anos, Renata, que sofre de atraso psicomotor.

- Comprei a passagem para Belém para resolver um problema da nossa filha: temos até o dia 28 para recadastrá-la no INSS e garantir a pensão. Reembolso para 30 dias não adianta. Preciso embarcar - contou Simone Oliveira, que mora no Rio com o marido, Renato, pagou R$794 pelo bilhete e foi informada de que não teria prioridade para embarcar por residir no Rio. - Vou ter que comprar outra passagem, sem saber se haverá reembolso. Vou gastar duas vezes.

Atrás dela estava o porteiro Ivanildo de Sousa. Uniformizado, ele saíra do trabalho atrás de uma orientação.

- Comprei cinco passagens para João Pessoa. São R$1.600 em cinco parcelas, e a primeira vence amanhã. Não sei como fazer - contou ele, antes de ser orientado a pagar a fatura, pois o estorno seria feito pelo cartão de crédito.

Histórias como estas, de pessoas que economizaram para pagar com sacrifício os bilhetes da BRA, em geral mais baratos que os das demais companhias, não faltavam. Dois dos três vôos diários da companhia que saem do aeroporto internacional fazem escalas em diversas capitais do Norte e do Nordeste. O terceiro segue para o Sul. Sem hospedagem ou alimentação garantidos - como manda a lei, no caso de passageiros que aguardam por mais de quatro horas por seu vôo - as centenas de pessoas que procuraram o guichê da empresa no aeroporto recebiam a mesma orientação, de acordo com Margareth Soares, supervisora da BRA:

- Quem está retornando para a cidade de origem será embarcado em outras companhias. Já quem mora aqui e tem passagem para outras cidades deve solicitar o reembolso, que será feito em 30 dias.

A solicitação não é garantia de pagamento. Até as 15h, 23 ocorrências tinham sido registradas por passageiros insatisfeitos da BRA no Juizado Especial Cível do Galeão. Quem queria embarcar era encaminhado para a Anac, que está fazendo a ponte com as demais empresas para o endosso dos bilhetes da BRA.

A cearense Ana Teresa Freitas conseguiu voltar para casa, num vôo da Gol, por volta das 14h. Nem todo mundo teve tanta sorte. A comerciante cearense Fátima Maria da Silva, que tinha passagem para Fortaleza às 9h, estava desde as 5h tentando garantir a viagem. Tudo o que conseguiu, depois da interferência da Anac, foi vaga na fila de espera de um vôo da TAM que seguiria para Fortaleza às 22h50m de ontem.

- Fiquei apavorada quando vi na TV que os vôos tinham sido suspensos - conta ela, que já tivera problemas com a BRA. - A viagem de vinda já foi um estresse. Quando comprei os bilhetes, disseram que não tinha escalas. Paramos em Natal, João Pessoa e Brasília. Lá, disseram que o piloto não tinha como seguir viagem, porque estava cansado, e nos mandaram para um hotel. Só conseguimos embarcar para cá porque estávamos acompanhados de uma equipe de TV. É falta de respeito!