Título: Gás vai subir de 15% a 25%
Autor: Ordoñez, Ramona; Alves, Cristina
Fonte: O Globo, 08/11/2007, Economia, p. 25
O GARGALO É NOSSO
Diretora de Gás e Energia da Petrobras diz que custos de produção aumentaram muito
Há pouco mais de 40 dias no cargo e há quase 30 anos na Petrobras, Maria das Graças Foster - ou simplesmente Graça Foster - não tem dúvidas de que a era do gás barato chegou ao fim. Poucas horas após desembarcar de uma viagem à Bolívia para negociação de novos investimentos, ela falou ao GLOBO e negou que haja crise de abastecimento. "Estamos estufados de tanto gás", disse. Mesmo assim, por causa de aumento de custos na exploração e até para acompanhar os preços do petróleo no mundo, ela diz que será preciso reajustar o gás no Brasil de 15% a 25%, além da inflação, ao longo dos próximos meses. E sugere às distribuidoras renegociar contratos.
Ramona Ordoñez e Cristina Alves
Acabou a crise do gás?
GRAÇA FOSTER: É preciso entender que o mercado de gás no país é adolescente. A nossa base de geração é energia hidrelétrica, temos biodiesel, etanol. Num país tropical como o nosso, o gás tem um limite para entrar no mercado. Temos tido sucesso exploratório muito bom, e o grande marco do gás natural no país foi a decisão de construir o gasoduto Bolívia-Brasil. Hoje estamos estufados de gás. Chegamos a 32,2 milhões de metros cúbicos por dia de gás esta semana. Essa história toda é longa, planejada há muito tempo.
Se foi preciso cortar o gás, como aconteceu no Rio na semana passada, houve um erro de cálculo ou inexperiência?
GRAÇA: Não acho que foi inexperiência, são momentos novos para a Petrobras e para o mercado. O que existe são contratos vencidos e em volumes menores do que fornecemos. Fizemos um planejamento de corte de 1,25 milhão de metros cúbicos por dia para a CEG e a CEG-Rio, que foram devidamente avisadas. O corte não foi direto, foi gradual. Essa redução foi combinada, e me parece que eles não fizeram a divisão do corte para seus clientes. Eles pediram para voltar o suprimento e, às 16h, voltamos imediatamente. Não vou deixar cair o Rio de Janeiro, apesar de eu ter avisado.
Quanto efetivamente foi cortado à CEG?
GRAÇA: Eram previstos 1,25 milhão de metros cúbicos, mas foram cortados só 400 mil.
A Petrobras errou?
GRAÇA: Na verdade, fomos ineficientes nesse corte à CEG. Fui ineficiente porque minha rede é lenta, não permite ajustes finos. Só tenho duas saídas, fornecer ou não. Nossa rede não está preparada para a redução do volume. Mas também fomos responsáveis, porque, quando vimos que a CEG não fez a parte dela, voltamos com o gás.
Por que o problema com a Comgás, em São Paulo, foi muito menor?
GRAÇA: Porque ela selecionou os clientes e definiu volumes de corte antes.
Com quanto tempo de antecedência as distribuidoras foram avisadas?
GRAÇA: Pelo menos 15 dias antes.
E por que deu tanto problema no Rio?
GRAÇA: Acho que a CEG pensou que não faríamos o corte. Mas nós fizemos e faremos sempre que tivermos que atender nossos compromissos contratuais com o setor elétrico.
Aí eles entraram na Justiça para restabelecer o fornecimento. A Petrobras vai recorrer?
GRAÇA: A liminar já era esperada por nós. Mas ainda não entramos com recurso. Não sabemos quando vamos entrar.
Mas, afinal, vai faltar gás de novo?
GRAÇA: Não chamo isso de faltar gás. Isso é cumprir os contratos como eles estão.
Mas para o taxista que teve que empurrar o carro porque não tinha combustível, para ele faltou gás. A Bayer deixou de produzir...
GRAÇA: Para o taxista faltou gás, mas eu não posso atuar além da minha atribuição. A gente não vende GNV (gás natural veicular). Quem faz isso é a distribuidora.
Por que a Petrobras está com contratos vencidos com as distribuidoras e em volumes menores do que o total que é entregue?
GRAÇA: Havia disponibilidade de gás maior do que previam os contratos. A Petrobras quer renegociar, mas com uma parte firme, outra flexível - ou seja, que pode ser cortada. E eles (distribuidoras) reagem. O mundo hoje é de contratos curtos e flexíveis.
O presidente da Petrobras diz que o consumo de gás precisa ser desestimulado, e o presidente Lula reconhece que ninguém botou um "tamborzinho" de gás no carro porque quis, mas foi estimulado a fazer isso. A demanda cresceu além do que se previa?
GRAÇA: Desde 2003 a Petrobras vem numa busca incessante para atender a demanda. Em 2003, tínhamos 5 mil quilômetros de gasodutos e, até o fim de 2009, vamos ter 10 mil quilômetros. Trabalhamos no desenvolvimento do mercado de gás natural. O que é preciso compreender é que há uma lei do setor elétrico de uma base hidrotérmica (parte hidrelétrica e parte térmica a gás). A Petrobras entrou na geração de energia elétrica há alguns anos, e temos que atender. A prioridade é atender as térmicas.
A CEG e a CEG-Rio têm hoje contratados 5,1 milhões de metros cúbicos/dia e retiram mais 2,6 milhões. Se elas quiserem firmar contrato com esse total, a Petrobras assina?
GRAÇA: Assino na hora, mas em três modalidades. A maior parte firme inflexível, outra parte firme flexível e uma outra interruptível (que pode cortar sem dar outro combustível como alternativa). Mas eles só querem firme. Não há gás hoje para fazer como eles querem.
A Petrobras voltará a investir na Bolívia?
GRAÇA: Vamos investir. Hoje estamos numa posição mais forte. A Petrobras investe em importação de gás liquefeito e ampliação da produção interna. Mas existe conforto maior do que a Bolívia? O gás está ali do lado. Conhecemos aquela terra como a palma da mão. Conhecemos os campos, temos infra-estrutura. Louvo as atitudes do presidente da Bolívia no cuidado que ele tem de fazer do seu gás uma agregação de valor à qualidade de vida do povo.
Mas as reservas foram nacionalizadas. As refinarias da Petrobras, ocupadas. Vale a pena correr o risco político?
GRAÇA: Como diretora de Gás e Energia, me interessa receber o gás da Bolívia, é mais racional e mais inteligente.
Mas não há risco de novos investimentos produzirem gás e ele ir para a Argentina, por força de contrato?
GRAÇA: Ainda não se discutiu quanto do gás do novo investimento vem para o Brasil. A prioridade é essa, mas não quero dizer que será a totalidade (do gás), porque não sentamos para discutir.
Com toda a dificuldade para suprir o mercado, o preço do gás vai subir?
GRAÇA: Necessariamente, o preço do gás precisa ser aumentado para poder garantir o suprimento contínuo. Os custos de produção estão extremamente altos, subiram no mundo todo.
Quanto?
GRAÇA: De 15% a 25%, que devem ser aplicados ao longo de 2008, além dos reajustes trimestrais normais. É real.