Título: Risco de monopolização
Autor: Ribeiro, Erica; Tavares, Mônica
Fonte: O Globo, 10/11/2007, Economia, p. 47

SÃO PAULO. Para o consultor David Zylbersztajn, ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP), o anúncio do governo foi feito num ¿momento inadequado¿, às vésperas da nova rodada de licitações da ANP. Pior foi a decisão de retirar 41 dos 312 blocos a serem oferecidos na disputa, o que configura ¿quebra das regras do jogo¿.

Aguinaldo Novo

Qual sua avaliação sobre o anúncio feito pela Petrobras? A julgar pelas declarações da ministra Dilma Rousseff, o país vai deixar de ser importador para exportar petróleo. Há motivo para tanta confiança?

DAVID ZYLBERSZTAJN: É possível, sim. O Brasil está no limiar de ser auto-suficiente em óleo, não em derivados. A gente exporta óleo e importa derivados, o que ainda gera um déficit. O óleo a ser explorado na Bacia de Santos é aparentemente mais leve, de melhor qualidade, e pode melhorar esse perfil. Claro que isso também vai depender das condições do mercado daqui a alguns anos, do grau de produtividade desse petróleo e a que preço ele será extraído.

O custo para explorar os novos campos não pode inviabilizar a operação?

ZYLBERSZTAJN: Poder, pode. A resposta para essa pergunta depende do preço do petróleo no mercado internacional. Considerando os preços atuais, esse petróleo seria viável. Quando você anuncia a descoberta de petróleo, precisa fazer uma diferenciação entre ter petróleo e ter reservas de petróleo. Você pode ter petróleo, mas não conseguir explorá-lo a um custo competitivo. Aparentemente, pelas informações iniciais, essa nova reserva é viável.

O anúncio tirou o governo do noticiário negativo da crise de energia e da falta de gás. Na sua opinião, houve uso político da descoberta?

ZYLBERSZTAJN: Não dá para afirmar isso. Mas acho que o momento foi inadequado, por causa da proximidade da nova rodada de licitação de blocos da Agência Nacional do Petróleo, que vai acontecer daqui a 15 dias. E também foi inapropriado o anúncio de que o Conselho Nacional de Política Energética retirou 41 blocos da licitação, que agora podem ser repassados diretamente para a Petrobras.

Neste caso, existe o risco de reestatização?

ZYLBERSTAJN: Há esse risco, dependendo de como o governo vai lidar com esse assunto. Legalmente, essas áreas não podem ser repassadas dessa forma para a Petrobras, têm de ser negociadas em leilão. A não ser que você mude a lei do petróleo, que regulamentou a quebra do monopólio da Petrobras na exploração do petróleo. Repassar para a Petrobras, sem mudar a lei, não pode, é ponto pacífico. Entendo que o certo seria a estatal participar do leilão e, baseada em estudos de viabilidade da operação, apresentar proposta para sair vencedora da disputa. Para o país, isso seria muito bom, porque manteríamos a regra do jogo.

Qual pode ser a reação dos investidores privados?

ZYLBERSTAJN: O investidor entrar ou não (na licitação) depende da manutenção das regras. Aos 40 minutos do segundo tempo, a bola está quicando na área, e vem alguém e diz que a bola é dele... Não dá. O governo foi eleito democraticamente e tem legitimidade para mudar ou propor mudanças na lei. O que eu acho complicado é mudar a regra no meio do jogo. Foi a estabilidade dessas regras nos últimos dez anos que atraiu investimentos privados para a área de petróleo e gás no Brasil. Depois de tantos planos econômicos e tantas quebras de contrato, é preciso um longo período para que as pessoas esqueçam o passado. Se mudar a lei para entregar à Petrobras, você claramente está trabalhando para o processo de monopolização.