Título: Reação a ofensas de Chávez
Autor:
Fonte: O Globo, 12/11/2007, O Mundo, p. 22

Imprensa mundial e políticos espanhóis elogiam rei, que mandou venezuelano se calar.

MADRI, SANTIAGO e CARACAS

Obate-boca entre o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e o rei e o presidente da Espanha, Juan Carlos e José Luis Rodríguez Zapatero, foi destaque na imprensa mundial ontem. À exceção do jornal "Juventud Rebelde", de Cuba, que trouxe elogios ao venezuelano escritos por Fidel Castro, as ofensas e a postura pouco educada de Chávez na XVII Reunião de Cúpula Ibero-Americana, no Chile, sábado, foram motivo de pesadas críticas.

A briga entre espanhóis e o venezuelano foi manchete de todos os principais jornais de Espanha, Venezuela, Chile e Nicarágua - devido à participação do presidente Daniel Ortega na confusão, que motivou, inclusive, a retirada de Juan Carlos da sala - e recebeu destaque em toda a América Latina e em Portugal. Emissoras de notícias, como a americana CNN, também ressaltaram a discussão.

O jornal espanhol "El Mundo" usou como manchete a frase do rei para Chávez, "Por que não se cala?". O "ABC" publicou "O rei não se cala". Já o "El País", cuja manchete foi "O rei manda Chávez se calar na tempestuosa reunião do Chile", afirmou, em editorial, que o tema da cúpula - coesão social - motivou a reação de Chávez e outros "populistas". Segundo o jornal, eles tentam "se apresentar como os únicos governantes preocupados com a desigualdade" e apelam para "provocações", pois os resultados de seus governos mostrados durante a reunião "desmentem" a sua retórica.

O jornal nicaragüense "La Prensa" saiu com a manchete "Chávez e Ortega ofendem Espanha". O diário diz que Ortega preferiu aliar-se ao venezuelano, mesmo ofendendo a Espanha, que só no governo Zapatero já perdoou 713 milhões em dívidas.

Na Venezuela, a imprensa favorável a Chávez ignorou o assunto em suas manchetes, mas jornais independentes, como "El Nacional" e "El Universal", destacaram a frase do rei e o bate-boca dele com Zapatero. Em Portugal, o "Diário de Notícias" e o "Público" também destacaram o embate.

Fidel critica esquerda tradicional

A única defesa de Chávez no exterior foi feita pelo líder cubano Fidel Castro. Em artigo, ele disse que o venezuelano fez críticas "demolidoras" contra a Europa, mas não mencionou o bate-boca com o rei. Ele criticou também a "esquerda tradicional", aparentemente se referindo aos líderes de Brasil, Chile e Uruguai. Mas elogiou os "revolucionários e corajosos" de Venezuela, Bolívia e Nicarágua.

Um dia depois de ter mandado Chávez se calar, Juan Carlos foi ofendido pelo venezuelano e membros do governo chavista, além de ser acusado de ter participado do golpe de 2002.

Ontem, o venezuelano disse que não percebeu quando o rei disse "por que não se cala?".

- Me disseram que tiveram que agarrar o rei e que ele ficou muito brabo, como um touro. Mas eu sou muito toureiro, e olé - disse ele, que também ironizou Zapatero. - Me dei conta de que é o rei que dirige a política externa da Espanha, não o presidente do governo.

Em seguida, Chávez - que já dissera no sábado que era tão chefe de Estado quanto o rei, e fora eleito para isso - acusou o monarca de ter participado do golpe de 2002, que o afastou do poder por quase 48 horas.

- Quero perguntar diretamente: o senhor sabia do golpe contra o governo da Venezuela? - disse ele.

Em Caracas, aliados de Chávez tentaram passar a imagem de que o presidente fora vítima de um ataque. O mais contundente foi o vice-presidente Jorge Rodríguez.

- Ninguém pode vir com grosseria e vulgaridade e mandar calar o chefe de Estado venezuelano - disse ele.

Rodríguez chegou a afirmar que Chávez manteve uma postura "serena e responsável" durante o incidente, o que dificilmente retrata o que se viu em Santiago. Chávez falou por 33 minutos, rebateu o que dissera antes (em cinco) o presidente Zapatero - que os governos tinham de deixar de culpar eventos externos e trabalhar para desenvolver seus países - e chamou repetidas vezes o ex-presidente do governo espanhol José María Aznar de fascista. Zapatero esperou que Chávez terminasse e pediu a palavra para responder. O venezuelano interrompeu o espanhol diversas vezes, não permitindo que ele falasse. Foi então que Juan Carlos pediu que se calasse. Muitos comentaram que a falta de educação de Chávez contribuiu para que o rei perdesse a calma, além das ofensas a Aznar.

Juan Carlos não fez qualquer comentário ontem. Zapatero se limitou a voltar a dizer que as palavras de Chávez são inaceitáveis. Porém, disse ter confiança que as relações entre Espanha e Venezuela "não serão afetadas". Fontes do governo, no entanto, afirmam que não se descarta uma reação caso as ofensas continuem.

Na Espanha, Mariano Rajoy, presidente do partido de Aznar, elogiou o rei, mas criticou Zapatero. Segundo ele, o socialista está prejudicando o papel internacional da Espanha.

- Isso é fruto das amizades perigosas que tem cultivado o governo Zapatero - disse ele, afirmando que o país deve voltar a buscar aliados entre os governantes "ocidentais, liberais e democráticos".

Já a postura do rei foi elogiada por quase toda a classe política espanhola, à exceção de representantes da Esquerda Unida (IU) e da Esquerda Republicana Catalã (ERC), que disseram que o erro de Chávez não justifica a reação "exagerada" do monarca.