Título: Referendo deve deflagrar crise mais intensa
Autor: Valente, Leonardo
Fonte: O Globo, 12/11/2007, O Mundo, p. 23

Para especialistas, vitória da proposta de reforma constitucional por margem estreita pode ser pior para Chávez do que derrota

CARACAS. O referendo do dia 2 de dezembro sobre a reforma constitucional da Venezuela não deve resultar no fim dos protestos e da violência enfrentados pelos venezuelanos nos últimos dias, e sim representar o início de uma crise ainda mais grave, com distúrbios violentos de opositores de um lado, e maior repressão do governo do outro. Essa é a opinião, e o temor, de cientistas políticos e advogados. Para eles, uma vitória fraca do "sim" pode ser pior para o governo que o êxito nas urnas do "não".

Segundo Ricardo Combellas, cientista político da Universidade Central da Venezuela (UCV) - ex-aliado de Hugo Chávez e um dos arquitetos da Constituição de 1999, feita meses depois da eleição do presidente, - o "sim" pela reforma é favorito a vencer, mas não deve ter muita margem de diferença em relação ao "não". Neste caso, segundo ele, os descontentes podem ir para as ruas com mais força.

- Teoricamente, para o "sim", basta uma vitória, não importa a margem. Mas estamos falando de uma reforma que fere princípios básicos da Constituição de 1999, o que a torna juridicamente ilegal. Existem artigos na Carta atual que só podem ser alterados por meio da formação de uma Assembléia Constituinte, o que não foi feito. Alterar o regime federalista descentralizado e proclamar uma república socialista são apenas alguns dos exemplos de mudanças que não podem ser feitas pelo Congresso. Isso pode ser um grande barril de pólvora e tornar o país ingovernável. Os defensores da reforma vão dizer que os opositores foram derrotados e que são golpistas. Já os opositores vão alegar que as propostas são inconstitucionais. Provavelmente, os dois lados vão tentar resolver essa diferença nas ruas - disse.

Estado de exceção e jornada de trabalho na mesma cédula

Para o advogado constitucionalista José Vicente López, caso estudantes e outros opositores resolvam continuar realizando protestos, o governo pode aumentar a repressão e até mesmo se amparar em algumas modificações da Carta, como as do estado de exceção, que poderia ser decretado por tempo indeterminado.

- Temo a radicalização. O governo vai usar de toda a sua força para garantir que a reforma seja implementada, caso o "sim" vença. Nossa sociedade está divida e isso é o mais triste pois revela a ferida histórica da desigualdade. O aumento da violência pode fazer com que organismos intergovernamentais passem a interferir, o que provocará ainda mais a fúria do governo. Esse referendo pode se tornar um grande problema para o país - afirmou.

Já o advogado Carlos Gonzáles, que é a favor da reforma constitucional, diz que o medo de mais protestos e violência depois do referendo é "chantagem de quem não quer as mudanças".

- O povo está numa luta democrática, o que é legítimo. Mas o resultado do referendo é a decisão final do povo venezuelano e protestos contra essa decisão são protestos contra a Venezuela. Não acredito que isso vai acontecer - disse.

No entanto, Gonzáles concorda com os demais quanto ao fato de a população estar dividida:

- Há polarizações, não há como negar. Mas o mais importante é que o lado que perder respeite a decisão da maioria.

Ontem, os principais jornais da Venezuela publicaram um caderno do Conselho Nacional Eleitoral com todas as propostas de reforma a serem votadas e um exemplo de como será a cédula de votação. Os eleitores terão que dizer se aprovam ou rejeitam dois blocos de alterações na Constituição, um com 46 artigos e outro com 23. Alguns temas polêmicos, como as novas regras do estado de exceção e a popular diminuição da jornada de trabalho estão no mesmo bloco e não podem ser votadas separadamente.

Integrantes do Parlamento Europeu demonstraram ontem sua preocupação com a atual situação da democracia na Venezuela.

- Estamos acompanhando com extrema preocupação e angústia o que está acontecendo na Venezuela. Mas é importante ressaltar que os venezuelanos não estão sozinhos, que os europeus estão prontos a ajudar - disse o deputado espanhol Jaime Mayor Oreja.