Título: Pesquisadores criticam a falta de transparência nos gastos militares
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 11/11/2007, O País, p. 4

Forças Armadas, afirmam, não chamam civis para discutir compras.

Pesquisadores da área de defesa afirmam que as Forças Armadas brasileiras não consultam a sociedade civil sobre os gastos militares. Embora o Ministério da Defesa exista há oito anos, os especialistas dizem que o órgão ainda é um mero repassador de recursos, pois quem decide onde o dinheiro será investido são os oficiais do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

- Temos uma política de defesa nacional que prioriza a Amazônia. No entanto, o mais recente blindado comprado pelo Exército é o Leopard, que não opera na região - diz o cientista social Alexandre Fuccille, da Universidade Federal de São Carlos.

Os especialistas reclamaram principalmente da extinção, há pouco mais de um mês, da Secretaria de Estudos e Cooperação do Ministério da Defesa, que cedeu lugar à Secretaria de Aviação Civil. Entre outras tarefas, o órgão desativado procurava aproximar os civis da temática da defesa nacional com a divulgação de textos na internet, a promoção de ciclos de debates e o incentivo à produção acadêmica sobre o assunto.

- Do ponto de vista da autonomia, na comparação com outros países que passaram por regimes autoritários e que vêm sofrendo ainda os efeitos deste período, o Brasil foi o que menos caminhou no sentido de ter Forças Armadas democratizadas. Elas ainda determinam o que é bom para elas - sustenta a professora Suzeley Kalil Mathias, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).

Os pesquisadores citam a demissão do então ministro da Defesa, José Viegas, em 2004, como exemplo do que consideram uma difícil relação civil com a área militar. Na época, Viegas entregou uma carta ao presidente Lula, em que atribuiu sua demissão à nota divulgada pelo Exército sobre fotos que supostamente eram do jornalista Vladimir Herzog (depois acabaram sendo identificadas como sendo de um padre canadense). Na nota, o Exército usou estilo elogioso às práticas adotadas no regime militar contra militantes de esquerda.

"Sabemos do sucateamento, mas falta definir prioridades"

Além da crítica à baixa influência civil na área militar, os especialistas criticam também o rígido controle que as Forças Armadas exercem sobre a formação de seus oficiais.

- Educação militar, no Brasil, é coisa de milico, não de civil. Não há conversa com as instituições civis. Eles comparam seus cursos de Estado-Maior aos mestrados e doutorados da área civil. Mas não há equivalência. Os alunos não são submetidos a critérios acadêmicos. O principal deles é a liberdade de pensamento. Nas escolas militares, os alunos não são livres para fazer a tese que eles gostariam.

A maior queixa dos pesquisadores é sobre o dinheiro gasto no reaparelhamento das Forças Armadas. O cientista político Jorge Zaverucha, da Universidade Federal de Pernambuco, disse que não há como definir prioridades se a sociedade não determinar um modelo de Forças Armadas:

- Enquanto não se definir o modelo, toda a discussão sobre o assunto será estéril. Sabemos que existe sucateamento, mas não podemos discutir onde dá para melhorar sem conhecer um modelo. Os pesquisadores lamentam que a Política de Defesa Nacional nem sequer seja estudada pelos cadetes das escolas militares. Segundo eles, o país mais bem armado na América Latina ainda é o Chile, tradicional aliado dos EUA.

- Chávez, da Venezuela, tem de mostrar ao público interno que tem capacidade de enfrentar uma invasão americana. Mas não representa perigo no Cone Sul. Não tem inimigos aqui. No máximo, um contencioso com a Colômbia - diz Suzeley.

Relação com países vizinhos baseada na negociação

Os estudiosos argumentam que, historicamente, a relação Brasil com os vizinhos não é de confronto:

- Mesmo a Guerra do Paraguai não era um conflito que ele queria. O Brasil resolveu seus problemas de fronteira muito cedo. E todos pela negociação. O país não tem interesse de aparecer no cenário internacional como belicista. Ao contrário: todos os passos são dados no sentido de mostrar que é um país confiável - afirma a professora.