Título: Um país em que (muito) pouco se fiscaliza
Autor: Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 11/11/2007, O País, p. 8

Serviço público não garante qualidade em áreas essenciais, como de alimentos, hospitais e transporte aéreo

Jailton de Carvalho

BRASÍLIA. O escândalo da soda cáustica no leite, os recentes desastres aéreos, os altos índices de desmatamento, as fraudes na saúde e as freqüentes denúncias sobre adulteração de gasolina são resultados diferentes de um mesmo problema: a precária fiscalização do serviço público sobre setores vitais da sociedade brasileira. Levantamento feito pelo GLOBO na última semana mostra que as máquinas de fiscalização de alimentos, combustíveis, florestas, transporte aéreo e hospitais são irrisórias diante da crescente demanda por segurança e qualidade.

- Em muitas áreas falta pessoal e, quando há, nem sempre o fiscal é qualificado. Não dá para exigir muito deles - afirma o chefe do Ministério Público no Tribunal de Contas da União, Lucas Furtado.

Os buracos na fiscalização saltam aos olhos. O Ministério da Agricultura dispõe apenas de 300 fiscais para checar a qualidade do leite produzido em 1.700 laticínios em todo o país, segundo dados da Associação dos Fiscais Agropecuários Federais. Os fiscais ficam dentro de alguns laticínios como se fossem funcionários da empresa. Em outros casos, os fiscais fazem visitas às empresas para verificar se determinadas normas estão sendo devidamente cumpridas. Se um fiscal se corrompe, pode pôr em risco boa parte do sistema.

Diante das falhas estruturais, não chegou a ser surpresa a prisão de dois fiscais acusados de envolvimento com o esquema de adição de soda cáustica e água oxigenada ao leite produzido pela Coopervale e pela Casmil, em Minas. As fraudes, que só foram descobertas graças à ação da Polícia Federal na Operação Ouro Branco, se repetiam há mais de três anos. Antes do golpe da soda cáustica, produto altamente lesivo à saúde humana, o artifício mais comum era a mistura de soro para dar mais volume ao leite.

Exportação é prejudicada

A fiscalização sobre a produção de carne, ovos e mel, entre outros alimentos básicos na mesa do brasileiro, não é muito melhor. As deficiências do controle de qualidade impedem que o país exporte mel e ovos para a Europa. A carne é devidamente inspecionada, quando se trata de exportação. Mas o rigor não é o mesmo para o consumo interno.

- Pelo que sabemos, 30% da carne consumida no país são originárias de abatedouros clandestinos - afirma José Luiz Castilho, presidente da Associação dos Fiscais Agropecuários do Rio Grande do Sul.

Segundo ele, a carne não inspecionada está sujeita a transmissão de doenças como tuberculose, brucelose, cisticercose. A cisticercose é um tipo de lombriga que pode atingir o cérebro humano e causar lesões irreversíveis ou até mesmo a morte. Os problemas são antigos, mas só agora, depois de forte pressão da União Européia, é que o Ministério da Agricultura decidiu contratar laboratórios particulares para fazer análise de resíduos de aproximadamente cem grupos de medicamentos e agrotóxicos em alimentos.

- Enquanto isso, o brasileiro come soda cáustica, hormônios e defensivos agrícolas. Por isso é que estão aumentando as doenças degenerativas - alerta o líder do DEM na Câmara, deputado Ônix Lorenzoni (RS).

No Ibama, poucos fiscais

Na área ambiental, a fragilidade da estrutura de fiscalização do Ibama e do recém-criado Instituto Chico Mendes é evidente até na distribuição dos chamados analistas ambientais. Em Brasília, cidade administrativa, estão lotados 68 fiscais, apenas três a menos que no Amazonas, centro da maior floresta tropical do planeta, onde trabalham apenas 71 fiscais. A Bahia tem 110 fiscais, o dobro do contingente que atua no Mato Grosso. O Rio Grande do Norte tem 55 fiscais, ou seja, conta com um contingente mais numeroso que o Acre, 37, Amapá, 41, e Rondônia, 36, estados com vastas regiões de proteção ambiental.

Ao todo, o Ibama e o Instituto Chico Mendes têm apenas 1.700 fiscais para reprimir desmatamento, contrabando de madeira, pesca predatória, caçadas ilegais, biopirataria e tráfico de animais silvestres, entre outros crimes em 747 unidades de conservação, um território de nada menos que 60 milhões de hectares. As disparidades são ainda mais expressivas em algumas situações específicas. O Parque Nacional de Brasília, de 45 mil hectares, tem 60 funcionários. O Parque Nacional Campos Amazônicos, uma área de um milhão de hectares, está sob a guarda de apenas um servidor público.

O diretor de Unidade de Conservação e Proteção do Instituto Chico Mendes, Júlio Gonchoronsky, reconhece as distorções e a vulnerabilidade da fiscalização. Mas, segundo ele, a divisão do Ibama, que resultou na criação do Instituto Chico Mendes, pode corrigir parte das falhas.

- Na estrutura do Chico Mendes, estamos pensando qual é o número ideal de servidores para cada unidade de conservação - afirmou Gonchoronsky.