Título: Viagens fora de controle
Autor: Vaz, Lúcio
Fonte: Correio Braziliense, 22/04/2009, Política, p. 2

Há quatro anos, Câmara espera justificativa para gasto de R$ 260 mil com transporte e diárias

A falta de rigor no uso de passagens pagas pelo Congresso não ocorre apenas nas despesas individuais de deputados. Há descontrole também nos gastos feitos por entidades ligadas à Casa. A prestação de contas de um evento realizado pela Confederação Parlamentar das Américas (Copa) em Foz do Iguaçu, em maio de 2005, tramita pela burocracia da Câmara há três anos e meio sem solução. O Controle Interno da Casa apontou despesas irregulares no valor de R$ 260 mil, de um total de R$ 895 mil repassados ao grupo de intercâmbio parlamentar. Foram pagas passagens para convidados e familiares e para deputados estrangeiros. Despesas diversas não foram comprovadas e foram contratados jornalistas sem autorização. Após passar pela Mesa Diretora, o prejuízo da entidade foi reduzido para cerca de R$ 50 mil, mas a então presidente, a ex-deputada Maninha, ainda tenta reduzir e parcelar o débito.

A Copa trata de assuntos como a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e o Mercosul, mas convidou para o evento o presidente da comissão de Integração da Política Interna do Japão, que era um parlamentar, para tratar dos decasséguis (brasileiros que trabalham no Japão). Ele veio com a mulher, uma deputada estadual. Os dois ficaram hospedados em quartos separados, tudo por conta da Câmara. Outras passagens enviadas para convidados no exterior simplesmente sumiram sem chegar às mãos dos destinatários e alguns receberam o bilhete e não compareceram ao evento. Foi emitida uma passagem para uma deputada do México, mas a parlamentar afirma que jamais a retirou. O Controle Interno também exigiu recibos de diárias e deslocamentos de debatedores, mas os comprovantes não existiam.

Maninha tenta justificar o descontrole: ¿Deputado é uma coisa muito complexa e complicada, eles não guardam tíquete de passagem. E a Câmara exige o tíquete, para você provar que usou a passagem, que o trecho usado foi aquele. E muitos dos convidados nossos não fizeram isso. Até hoje eu estou correndo atrás de tíquete de deputado¿. A contratação de uma empresa de comunicação para divulgar o evento também foi considerada irregular. O ex-secretário de Controle Interno Marcos Figueira afirma ainda que teriam sido emitidas passagens para jornalistas de grandes veículos. Os gastos dos profissionais com alimentação foram vetados pelos órgãos técnicos da Casa.

¿Copa não existia¿ Os erros começaram antes do evento. Como a Copa não estava formalmente constituída, a Câmara transferiu os recursos para a União Nacional dos Legislativos Estaduais (Unale), que os repassou à Copa. Quem explica o processo é a própria Maninha: ¿Claro, porque a Unale é filiada à Copa. Como a Copa não existia, o que a Câmara fez? Para ela nos ceder o dinheiro, repassou o valor por meio da Unale. Mas isso não significa que a Unale seja responsável¿.

A improvisação e o descuido no trato do dinheiro público também ficam evidentes nesse processo. O plano de trabalho do evento, com previsão de gastos, datas, convidados, para uma reunião de cerca de 500 parlamentares, foi aprovado apenas no final do ano passado. A então presidente da Copa diz que apresentou o tal plano: ¿Para fazer uma conferência, eu apresento um plano de trabalho. Apresentei, realizei a conferência. A Câmara discordou do plano, nós fizemos novamente, a Câmara discordou. Eu estive com o diretor-geral da Câmara, o Sérgio Sampaio. Ele tentou, antes que o mandato acabasse, resolver essa confusão, mas não dependia dele. Eu quero resolver internamente, na Câmara, para não ter que ir para o Tribunal de Contas¿.

A Câmara abriu o processo 153.414 em agosto de 2005, que foi analisado pela contabilidade da Casa. Chegou ao Controle Interno em junho de 2006. Um ano depois, passou pela Mesa Diretora. Em 2008, foi analisado pela Primeira-Secretaria e retornou à Mesa, para a aprovação do novo plano de trabalho. Com os critérios de gastos já alterados, voltou à Secretaria de Controle Interno em fevereiro deste ano. Lá já não estava o ex-secretário Figueiras. O lugar foi ocupado por Beatriz Mezêncio, nomeada pelo diretor-geral.

A expectativa na Casa é que o ¿novo¿ plano seja aceito e a prestação de contas seja ¿legalizada¿ antes do envio ao TCU. Apenas algumas pendências devem ser mantidas na documentação encaminhada à Corte de contas. A maior parte do débito de R$ 260 mil foi descontada quando a Mesa Diretora aprovou o plano de trabalho. ¿Se a Mesa não aprova, realmente dá esse valor alto que o Marcos está falando. A Mesa aprovou, agora vamos ver¿, explica o chefe de gabinete da Diretoria Geral, Pedro Pellegrini. Questionado se a aprovação, no final do ano passado, três anos após o encontro, mudaria o processo, respondeu: ¿Muda, porque daí ela pode gastar¿. Alertado que o evento já ocorreu, completou: ¿Acho que aí é que foi o problema. Eu estou achando, não estou afirmando, que ela fez o evento sem pegar a aprovação da Mesa. Por isso a demora na aprovação desse negócio. Aí, a Mesa aprovou no ano passado. Agora o Controle Interno vai analisar direitinho. Se tiver alguma coisa faltando, eles vão cobrar do presidente da entidade¿.

-------------------------------------------------------------------------------- Entrevista - Maninha

A ex-presidente da Copa, ex-deputada Maninha (PSol-DF), tentou justificar ao Correio as irregularidades apontadas na emissão de passagens para o evento em Foz do Iguaçu. Ela falou como foi o processo de criação da entidade e seu esforço para reduzir o prejuízo.

O Controle Interno apontou irregularidades na hospedagem do convidado do Japão. O que houve? Ele veio com a mulher dele, deputada estadual. E os dois se hospedaram em quartos separados, porque, no Japão, eles se hospedam em quartos separados. Aí, a Controladoria questionou.

Foram apontadas falhas na emissão de passagens. Mandamos passagens para convidados internacionais. A prestadora emitiu o bilhete, que foi para o exterior, o convidado não veio, e a gente não conseguiu localizar onde essa passagem estava. No caso de uma deputada do México, a empresa emitiu a passagem, mas ela jura que não retirou. Como eu vou provar isso? Todas essas questões nós fomos justificando. Isso começou com um valor imenso, que a Controladoria dizia que a gente tinha que devolver. E a gente foi baixando, foi baixando, foi baixando.

Eram R$ 260 mil? É, e agora está em R$ 50 mil. E a gente está continuando a fazer a prestação. Isso só vence no ano que vem. Em última instância, eu vou pagar. Quando a Câmara me apresentou esse valor de R$ 50 mil, eu disse que não tinha como pagar, não tenho salário para isso.

A Copa e o Fórum Interparlamentar das Américas (Fipa) não tratam dos mesmos temas? A Fipa e a Copa foram criadas por visões ideológicas distintas. A Copa foi criada num momento em que havia, por parte do Canadá de língua francesa, um intenso debate sobre a separação do Canadá. O Canadá de língua francesa se aproximou do então presidente do Senado, José Sarney, e propôs criar uma entidade que pudesse congregar as câmaras estaduais, federais e os senados das Américas para promover o debate sobre essa questão da América. E o Sanrey topou. Isso foi em 1997, se não me engano. Numa reunião de Cúpula das Américas, em Québec, foi fundada a Copa. O Canadá de língua inglesa, para se contrapor a essa iniciativa, criou a Fipa. Então, uma tem uma ideologia e outra tem outra, mas, na verdade, são similares.