Título: Geração pós-Muro de Berlim atinge maioridade
Autor: Magalhães-Ruether, Graça
Fonte: O Globo, 11/11/2007, O Mundo, p. 46

Dezoito anos depois da reunificação, fronteiras imaginárias substituem concreto dividindo jovens e resto da população.

BERLIM. Elas chegaram à maioridade junto com a nova Alemanha. Nasceram em 9 de novembro de 1989, o dia da queda do Muro de Berlim, uma data que mudou definitivamente os rumos políticos da Europa. Dezoito anos depois, a Alemanha é governada por uma mulher do leste, Angela Merkel, mas o país continua dividido. Trata-se de uma linha divisória mental, que também reparte Berlim entre leste e oeste.

Os 75 adolescentes (40 moças e 35 rapazes) que nasceram no dia da queda do Muro comemoraram juntos semana passada seu 18º aniversário, numa festa que já criou tradição. Ela começou a ser realizada em 1990, quando os bebês completaram 1 ano, por iniciativa do comerciante Dietrich Pusch, que assumiu, através de uma associação, a função de padrinho das crianças.

Mais de 20% são favoráveis à construção de novo muro

Esses adolescentes, que conhecem o Muro apenas através de filmes, parecem ter crescido ligados ao antigo sistema por ouvir dos pais frases como ¿nem tudo era ruim na RDA¿ (República Democrática Alemã, a Alemanha Oriental).

Em bairros tipicamente ocidentais de Berlim, como Zehlendorf ou Spandau, o ossi (gíria que vem de ost, leste, em alemão) sente-se como um estrangeiro. Já nos bairros tipicamente do leste, como Hellersdorf ou Koepenick, são poucos os ocidentais que se aventuram.

Para Evelin Wittich, diretora da Fundação Rosa Luxemburgo, os problemas existentes hoje são resultado dos erros cometidos logo depois da queda do Muro, quando, segundo ela, os ocidentais chegaram ao leste ¿como os arrogantes melhoradores do mundo, destruindo empresas que eram boas e tinham capacidade de sobreviver no livre mercado¿.

Evelin, que tem 57 anos, diz-se hoje desiludida, embora não queira o Muro de volta. A fundação que dirige é ligada ao partido A Esquerda e tem ligações com o PT do Brasil, onde Evelin esteve no ano passado. A situação não é igual à brasileira, mas ela considera comparável. No lugar do muro de concreto, diz, surgiu a fronteira social, que faz as camadas mais pobres da sociedade, sobretudo no leste, sentirem-se como perdedoras da reunificação alemã.

Um estudo realizado pelo Instituto Forsa esta semana revela que 21% dos alemães estão tão insatisfeitos que são favoráveis à construção de um novo muro. Setenta e quatro por cento não querem um retrocesso histórico, mas um percentual igual dos habitantes do leste vê-se como ¿alemães de segunda classe¿.

Uma onda de ostalgia, gíria que significa nostalgia do leste, toma conta da Alemanha 18 anos depois da queda do Muro de Berlim. O Parlamento federal acaba de decidir pela construção de um memorial da unidade ¿ um controvertido museu em memória das vitimas do comunismo.

Na TV e no cinema, produções sobre a era da divisão da Alemanha são campeãs de audiência, como ¿Das leben des anderen¿ (A vida do outro), de Florian von Donnersmark, que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro, ou a produção de TV ¿A mulher do Check Point Charly¿.

Para Torsten Harmsen, sobretudo a geração mais velha, que dedicou sua vida ao regime, sente-se desiludida. Os que podem esquecem a ideologia e dedicam-se ao consumo, mesmo que limitado.

O ocidental Guido Westerwelle, presidente do Partido Liberal (FDP), nascido em 1961, ano da construção do Muro, acusa os críticos e saudosistas de ingenuidade.

¿ A romantização da RDA e do sistema de opressão por parte de alguns intelectuais é horrível e resulta de ingenuidade. A RDA não era um regime justo, mas de opressão e catástrofe econômica e ecológica ¿ afirma ele.

Para jornalista, cidade vive guerra cultural

Torsten Harmsen também nasceu em 1961, foi soldado do Volksarmee (Exército Popular) e depois começou a trabalhar no jornal ¿Berliner Zeitung¿, um diário de Berlim Oriental que era fiel ao PC e que hoje pertence a uma grande empresa ocidental.

¿ A divisão só deixou de existir no centro, tanto do leste como do oeste da cidade, mas a guerra cultural entre as duas partes de Berlim adquire dimensões grotescas ¿ alega Harmsen.

Evelin Wittich acusa igualmente de ingenuidade os saudosistas do Muro, mas lembra que o regime ocidental também não é uma solução, por causa das suas desigualdades.

¿ Nós precisamos levar a sério as idéias de Rosa Luxemburgo, que era comunista mas contra a ditadura. Essa utopia do socialismo democrático ainda não foi concretizada ¿ conclui.