Título: Odes à insubordinação e ao estilo literário
Autor: Martins, Marília
Fonte: O Globo, 11/11/2007, O Mundo, p. 47B

Amigos, escritores e jornalistas lamentam a morte de Norman Mailer, destacando seu lado humanitário e sua ousadia.

Norman Mailer costumava se definir como ¿um hipster, um marginal psíquico, que devorava a vida até o bagaço¿. A morte o encontrou às 4h30m da madrugada gelada e chuvosa de ontem, um dia de outono com jeito de inverno. Ele estava em coma, no Hospital Mont Sinai, em Nova York. Um de seus nove filhos, Stephen, estava ao lado do pai na hora da morte. À medida que a notícia foi se espalhando, a entrada do hospital foi ficando cheia de amigos, escritores e jornalistas. O agente literário Michael Lennon explicava a todos que Mailer não chegou a recobrar a consciência desde que fora internado, em 17 de outubro, após ser operado para retirar secreções do pulmão e ter o quadro respiratório agravado por uma infecção. Entre os amigos próximos, a escritora Joan Didion estava muito emocionada:

¿ Ele foi uma das grandes vozes da literatura americana. Era um estilista obcecado, sabia o peso de cada frase num romance.

Mailer estava escrevendo segunda parte para último livro publicado

O ex-prefeito Ed Koch lembrou que Mailer se lançou candidato à prefeitura de Nova York, em 1969, porque pretendia transformar a cidade no 51º estado americano:

¿ Ele parecia invencível. Sempre vou lembrar nossa convivência como um dos tesouros da minha vida.

Grande amigo de Mailer, o escritor e colunista Jimmy Breslin declarou:

¿ Mailer até o fim escreveu páginas que ainda vamos passar muito tempo lendo à beira da lareira, especialmente aquelas em que defendia a necessidade de brancos e negros freqüentarem os mesmos bancos escolares.

Outra amiga de Mailer, a escritora Luanne Rice, lembrou que, para seus oponentes, ele era conhecido como ¿o macho man das letras americanas¿, e comentou que pessoalmente Mailer era muito diferente do machista agressivo que detestava feministas e ficou famoso por agredir fisicamente uma de suas seis mulheres:

¿ O Norman que eu conheci era doce e gentil, muito diferente do polemista feroz. Mais velho, ele se arrependeu daqueles ataques furiosos às feministas e moderou um pouco suas idéias a esse respeito.

Muitos definiam a morte de Mailer como a do último grande ícone literário da esquerda americana dos anos 60. Michael Lennon também comentou que Mailer estava escrevendo, até agosto, uma segunda parte para o último romance que publicou, ¿The castle in the forest¿. No livro, que será lançado no Brasil em dezembro, pela Companhia das Letras, um demônio narra a história de três gerações da família de Adolf Hitler. A família de Mailer fará um inventário do material para ver se será possível publicá-lo.

Segundo a crítica literária do ¿New York Times¿, Michiko Kakutani, Mailer queria escrever um romance que Dostoievski, Marx, Joyce, Freud, Stendhal, Tolstói, Proust, Spengler, Faulkner e Hemingway se sentassem para ler:

¿ Ele pretendia que seus livros alterassem os nervos e a medula dos leitores. Queria simplesmente escrever o grande livro da literatura americana. Moldou seus personagens à semelhança de si mesmo, inclusive nas biografias que escreveu: são todos heróis à moda de Mailler.

Para o biógrafo de Mailer, Peter Manso, o escritor será lido como uma das figuras centrais da cultura americana nos anos 60, especialmente pela forte influência que exerceu, ao lado de Truman Capote, com a invenção do ¿new journalism¿ ¿ que também inspirou muitos autores no Brasil, como Fernando Morais.

¿ Ele foi de uma escola americana que extravasou do jornalismo para a literatura de não-ficção, ensinando muita gente não só a escrever, mas a pensar ¿ disse Morais.

Para o escritor e jornalista Luciano Trigo, Mailer foi a mais ousada das estrelas do novo jornalismo.

¿ Ele não se limitou a trazer ingredientes de romance para seus textos jornalísticos: viveu situações reais que parecem tiradas de romance, abusando de álcool, mulheres e drogas. Também como romancista, engajou-se na exposição dos ingredientes mais sórdidos da sociedade americana.

Para o escritor Sérgio Sant`Anna, o primeiro livro de Mailer, ¿Os nus e os mortos¿, é um de seus melhores:

¿ Ele veio de uma fase importante na literatura americana, mais rigorosa que a de hoje. Era inteligentíssimo, com grande senso de humor.

COLABOROU Suzana Velasco