Título: A boca de classe média
Autor: Motta, Cláudio
Fonte: O Globo, 09/11/2007, Rio, p. 13

Polícia prende quadrilha de moradores da Zona Sul que vendia drogas em festas e universidades.

ADelegacia de Combate às Drogas (Dcod) prendeu ontem oito integrantes de uma quadrilha de traficantes formada por jovens de classe média alta, praticamente todos moradores da Zona Sul. Além deles, Thiago Castilho Gama, de 24 anos, morador da Rua Domingos Ferreira, em Copacabana, preso há duas semanas por roubo, também foi incluído no inquérito e apresentado na Dcod. O estudante do primeiro período de design gráfico Pedro Paulo Farias David, de 23 anos, foi detido dentro de sala de aula, no 16º andar do campus Uruguaiana da Universidade Estácio de Sá, no Centro.

O portão do campus foi fechado e os policiais percorreram as salas perguntando aos professores sobre o traficante, que mora na Rua Maria Eugênia, no Humaitá. Os estudantes que chegavam ficavam do lado de fora e se assustavam ao saber o que estava acontecendo.

¿ Que coisa feia! ¿ comentou um estudante ao ver o rapaz algemado.

As investigações começaram há cinco meses e contaram com o apoio do Ministério Público. O grupo fornecia drogas sintéticas e não sintéticas em festas raves, universidades, colégios e em ruas da Zona Sul. Na internet, programas de bate-papo, como o MSN Messenger, e o Orkut, site de relacionamento, eram usados para vender drogas. Quatro computadores foram apreendidos. Há ainda a suspeita de que o bando falsificava documentos. A atividade dos traficantes era acompanhada por policiais infiltrados, inclusive mulheres, e escutas telefônicas realizadas com a autorização da Justiça.

O rapaz apontado pela polícia como o cabeça da organização é o estudante Bruno Pompeu d¿Urso, de 18 anos. Ele mora na Rua Fonte da Saudade, na Lagoa, e estuda psicologia no Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitação.

¿ O que mais impressionou a nossa equipe foi o linguajar deles. Era impossível saber se eram traficantes bem-nascidos da Zona Sul ou de morros. A velocidade com a qual movimentavam a droga também era enorme. Foram 16 mil ligações grampeadas na operação ¿ afirmou a delegada titular da Dcod, Patrícia Paiva de Aguiar.

De acordo com as investigações, Bruno era o principal elo entre traficantes dos morros Santo Amaro (Catete), Dona Marta (Botafogo) e do Jacarezinho e os vendedores de drogas do asfalto.

¿ Não tem flagrante, na minha casa não foi encontrado nada. Sou apenas um estudante de psicologia. Nunca vi um traficante duro e com contas para pagar ¿ defendeu-se Bruno, negando as acusações.

Também com 18 anos, Jéssica de Albuquerque e Corrêa fazia parte da quadrilha desbaratada pela Dcod. Moradora da Rua Barão de Macaúbas, em Botafogo, ela estava diretamente ligada ao estudante de psicologia, de acordo com o organograma montado pela delegacia. Acima dela na organização criminosa figurava o mineiro Rodrigo Foresti de Luca, de 21 anos, morador da Rua Cupertino Durão, no Leblon.

¿ Sou usuário de maconha, não isso tudo que estão falando de mim. Vim de Minas, nunca fui a uma favela ¿ disse Rodrigo, para depois pedir perdão a parentes, amigos e à namorada, que vive em Minas Gerais.

A operação, chamada de Octógono, em referência aos ringues de lutadores de vale-tudo e jiu-jítsu (já que a investigação começou apurando a relação de freqüentadores de academias com drogas), teve início às 6h de ontem e mobilizou 35 policiais. As prisões foram feitas de manhã.

Os outros presos são Rafael Luiz de Vasconcelos, de 19 anos, morador da Rua General Gois Monteiro, em Botafogo; Fábio Luiz Cardoso da Silva, de 26, morador da Praia de Botafogo; o taxista Renato da Silva Magdalena, de 32, da Rua Gruçaí, na Penha; e Maycon Igor Scoralick, de 20, da Rua Candido Mendes, na Glória, onde a polícia encontrou maconha, haxixe e uma caixa de munição. Segundo a polícia, Scoralick também está sendo investigado por participar de outra quadrilha. Já o taxista seria responsável pelo transporte de drogas.

Bando forneceria drogas a favelas

A Dcod também apura informações de que os jovens forneciam ecstasy e lança-perfume para traficantes da Rocinha, do Santo Amaro e do Jacarezinho. Em troca, recebiam maconha e haxixe, que eram vendidos muitas vezes pelo dobro do preço.

¿ Há indícios de laboratórios de produção de ecstasy no Rio de Janeiro. Eles são montados e desmontados muito rapidamente, dificultando a investigação ¿ disse a delegada.

Policiais da Dcod, que começou a atuar em maio para substituir a Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), filmaram integrantes da quadrilha consumindo drogas na rua, entre eles Thiago Gama fumando maconha em frente ao prédio onde mora, em Copacabana. Ele é sobrinho do ex-jogador do Flamengo Júnior. Maycon Igor Scoralick também foi flagrado numa escadaria na Glória. Um computador, com dois monitores integrados, foi usado por um inspetor especializado em edição de imagens. O trabalho facilita a análise do material bruto e ajuda na organização das informações obtidas pelos policiais. No auditório da delegacia, um painel com o organograma da quadrilha facilitou ontem a apresentação dos traficantes.

COLABORARAM Cristiane de Cássia e Jorge Martins