Título: Melhora o cacife do país para negociar com Bolívia e Venezuela
Autor: Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 13/11/2007, Economia, p. 30

EXPLORANDO PETRÓLEO: Para historiador, anúncio veio em momento oportuno.

Analista não vê risco de dependência de petróleo ou retrocesso político

O historiador Francisco Carlos Teixeira, do Laboratório de Estudos do Tempo Presente da UFRJ, acredita que a descoberta da Petrobras dará competitividade à indústria nacional. E relata que já há preocupação, na Bolívia, com o risco de perder mercado para o gás brasileiro. Ele cita como exemplo um editorial publicado na edição de domingo do maior jornal de Cochabamba, "Los Tiempos", sobre o anúncio da Petrobras, cujo título era "E agora, o que faremos com o gás?"

Luciana Rodrigues

Que impacto a descoberta do campo gigante da Petrobras tem na relação do Brasil com seus vizinhos?

FRANCISCO CARLOS TEIXEIRA: Se a viabilidade e a robustez dessas reservas se confirmarem, e os preços do petróleo continuarem elevados, o anúncio da descoberta da Petrobras veio num momento muito oportuno. O país está iniciando um duplo processo de negociação, com a Bolívia e a Venezuela. Melhora o cacife do Brasil. Os bolivianos, agora, vão querer amarrar um contrato de longo prazo com o Brasil, porque temem perder, no futuro, não só o mercado brasileiro como também a demanda de outros países da América do Sul, como a Argentina, que hoje depende exclusivamente da Bolívia e poderiam ser atendidos pelo Brasil.

Estamos numa posição mais confortável para negociar?

FRANCISCO CARLOS: Sim, mas continuamos dependendo do gás da Bolívia. Há um hiato de pelo menos cinco anos até as reservas descobertas pela Petrobras entrarem em comercialização. E, se forem retomados os investimentos na Bolívia, a oferta de gás boliviano pode vir mais rápido, em um ano e meio ou dois anos. Sem energia, a recente arrancada da economia brasileira pode ser freada.

E o que muda nas negociações com a Venezuela?

FRANCISCO CARLOS: Se o Brasil se tornar auto-suficiente e até mesmo exportador em gás, o gasoduto da integração (Gasoduto do Sul, que sairia da Venezuela, cortaria o Brasil e iria até a Argentina) perde importância. Faz mais sentido reforçar a atual rede (de gás) que liga o Brasil à Argentina, porque as reservas na Bacia de Santos estão muito mais próximas do Cone Sul. O gasoduto com a Venezuela seria interessante apenas se for direcionado para a Amazônia e o meio Norte brasileiro, com dimensão reduzida.

Países que são exportadores de petróleo têm sua economia dependente dessa "commodity". O Brasil corre esse risco?

FRANCISCO CARLOS: O Brasil tem uma indústria diversificada e poderia desenvolver a química fina, com lubrificantes, resinas, plásticos (que usam petróleo como matéria-prima). E o gás, se for confirmado, será um fornecimento de energia confiável, que dará ganho de escala e competividade à nossa indústria.

Há risco de retrocesso político? Rússia e Venezuela deram uma guinada autoritária justamente num momento de recordes nos preços de petróleo?

FRANCISCO CARLOS: Na lista de grandes produtores de petróleo, podemos olhar para Irã e para Arábia Saudita. Mas também podemos olhar para Noruega, que tem um fundo nacional de petróleo para financiar projetos sociais. No meio do caminho, estão Rússia e Venezuela. Mas a Rússia viveu 80 anos de comunismo e tem profundas rivalidades internas. E a chamada democracia venezuelana anterior a Chávez era extremamente questionável. Antes de 98 (quando o presidente Hugo Chávez assumiu o poder) foram 40 anos de alternância de poder entre dois partidos corruptos. No Brasil, apesar das crises políticas, estamos fortalecendo a democracia.