Título: Um confronto anunciado
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Fonte: O Globo, 13/11/2007, O Mundo, p. 36

"Está claro que não compartilhamos seu ponto de vista e isto ficou evidente." Miguel Ángel Moratinos, ministro espanhol do Exterior, resumiu assim a Caixa de Pandora que o incidente em Santiago abriu no complexo panorama de relações entre Espanha e América Latina, a substância das cúpulas ibero-americanas. Um horizonte poliédrico no qual confluem velhas brigas históricas, com os resquícios que suscitam em alguns países o fato de serviços básicos, luz, água, telefonia, estarem a cargo de empresas espanholas.

Esse coquetel começou a ser agitado ao se centrar a cúpula em coesão social, debate emblemático da divisão da América Latina da Alca, aberta à relação com EUA, e a da Alba, que busca respaldo em Hugo Chávez.

Embora tenha sido a chilena Michele Bachelet quem se empenhou em tratar da coesão, José Luis Rodríguez Zapatero chegou a Santiago com recursos para dar credibilidade aos programas. "Que tarefa mais digna para um governante do que acabar com a pobreza?", perguntou. A resposta de Chávez foi imediata: nada mais inútil do que panos quentes nem nada mais indispensável do que suas receitas antiimperialistas. Apresentou-as com uma linguagem agressiva, muito centrada na Espanha.

Moratinos disse que o incidente era previsível porque a polêmica disparara nos debates a portas fechadas. O circuito de TV revelou imagens em que Zapatero, Bachelet e Luiz Inácio Lula da Silva gesticulavam em debate acalorado, que os deixa mais ou menos alinhados frente à tese do venezuelano. O de sábado "se ressaltou", segundo o ministro, porque as agressões foram insuportáveis. "Quando não nos respeitam, respondemos", explica, "foi um momento difícil", em que o rei, Zapatero e ele decidiram que responderiam à nova onda de insultos.

Em termos gerais, três fatores explicam o ocorrido: a sensibilidade do tema da cúpula, a surpresa que foi para Chávez a defesa firme que Zapatero fez de Aznar e a impressão de derrota ideológica que a argumentação do presidente deixou no líder nicaragüense, Daniel Ortega.

Os espanhóis não parecem temer conseqüências. "A vantagem da América Latina é que as polêmicas são muito apaixonadas, mas logo esfriam", ponderou Moratinos. No caso das relações entre os dois países, os interesses são tão importantes que será preciso vigiar para ver como as coisas evoluem.

PERU EGURBIDE é colunista do El Pais, da Espanha