Título: Mudanças climáticas - o que mudou?
Autor: Palocci, Antonio
Fonte: O Globo, 18/11/2007, Opinião, p. 7

Há uma profunda mudança de qualidade no debate internacional sobre clima. O tema, antes restrito aos círculos envolvidos com a questão ambiental, agora atinge todos os setores políticos e econômicos. Essa nova percepção se deu após a recente conclusão de dois importantes estudos - o relatório do Intergovernmental Panel on Climate Change da ONU e o relatório de Nicolas Stern, assessor econômico do ex-primeiro ministro do Reino Unido e do então Chanceler Gordon Brown.

Esses documentos demonstram de maneira sistematizada que as mudanças climáticas em curso poderão impor custos elevadíssimos à humanidade em um período de tempo muito mais curto do que se previa, com impactos substanciais sobre a qualidade de vida no planeta. A partir de estudos empíricos consistentes, destacam o peso da ação humana na aceleração das mudanças do clima e demonstram que o custo do imobilismo será muito superior ao custo das ações preconizadas.

Em função disso, a Comunidade Européia começa a definir metas ambiciosas de substituição de combustíveis fósseis. Mesmo o governo dos EUA, que resistiu fortemente ao protocolo de Kioto, passou a dar maior prioridade ao tema, injetando recursos volumosos na produção de etanol de milho e nas pesquisas sobre etanol celulósico.

Também os organismos multilaterais - e, em particular, a ONU e o Banco Mundial - colocaram a questão no centro de suas agendas. Empresas investem em novos materiais e em máquinas e eletrodomésticos mais eficientes no uso dos recursos energéticos. Todos os cálculos econômicos recentes incluem a questão climática como pauta obrigatória de médio e longo prazos.

Há pelo menos quatro aspectos importantes que destacam o Brasil neste novo cenário:

- Abriga a maior parte da floresta amazônica, a mais extensa reserva do planeta;

- Produz energia hidrelétrica em larga escala, com eficiência e capacidade acumulada em engenharia e construção;

- Produz etanol de cana-de-açúcar, com grande eficiência energética e baixo custo comparativo;

- A auto-suficiência em petróleo, potencializada com as mais recentes descobertas da Petrobras em águas superprofundas, que permite ao país desenvolver seu programa de biocombustíveis com alto potencial exportador.

Mas ainda há grandes desafios nessas áreas. Combater, de forma eficiente, o desmatamento da floresta amazônica é uma das questões centrais. A recente legislação sobre manejo sustentável de reservas é um bom começo. Garantir a contabilização do "desmatamento evitado" como contribuição para a redução dos gases de efeito estufa é outro trabalho importante que está em curso.

A exportação de serviços de engenharia e o gerenciamento de obras em hidrelétricas também têm sido objeto crescente da ação de empresas e do governo.

O incentivo ao uso global do etanol é outra vertente dessas oportunidades que se abrem. O presidente Lula tem liderado este esforço em suas viagens internacionais, destacando o papel que a produção de etanol pode ter para as nações mais pobres. Abrir novos mercados para os combustíveis renováveis, eliminando as barreiras que protegem a produção ineficiente dos países desenvolvidos, será uma árdua batalha, mas muito promissora.

Alguns já se preocupam com a conseqüente elevação dos preços do etanol no mercado interno. Ora, os carros com motores flexíveis vieram justamente para atenuar esse efeito. Com eles, o consumidor ganha liberdade de escolha de combustíveis e preços, aprendendo, inclusive, a enfrentar as mudanças sazonais de oferta.

As mais recentes conclusões sobre o clima não são, de fato, boas notícias. Representam percepção de riscos bem maiores sobre o nosso futuro. Mas esse desafio exigirá das nações que coloquem toda sua competência acumulada a serviço de um esforço multilateral de grandes proporções. E o Brasil poderá se posicionar como parceiro preferencial para as melhores soluções, a fim de mitigar as ameaças ao planeta.

ANTONIO PALOCCI é deputado federal (PT-SP) e foi ministro da Fazenda.