Título: Carro oficial para ir à butique e ao hortifruti
Autor: Gripp, Alan
Fonte: O Globo, 18/11/2007, O País, p. 8

Senadora e conselheira do TCDF são flagradas usando veículos com motoristas em compromissos particulares

BRASÍLIA. Terça-feira, 23 de outubro, início da tarde. A sessão do Senado estava aberta, o dia era de votações, mas o Fiat Marea placa 0070, usado pela senadora Maria do Carmo (DEM-SE), trafegava a alguns quilômetros dali. Nas horas que se sucederam, o carro oficial circulou intensamente pela Asa Sul de Brasília, a serviço exclusivamente de compromissos particulares da senadora e de sua família. A mordomia sobre rodas, com motorista e combustível pagos com dinheiro público, é um dos exemplos mais freqüentes da confusão entre o público e o privado no Brasil.

Naquela tarde, quem estava no Senado não imaginava o paradeiro de Maria do Carmo. Sua presença, registrada pela manhã, ainda estava assinalada no painel eletrônico do plenário. Mas o expediente terminou mais cedo. O GLOBO encontrou a senadora saindo de seu apartamento funcional, na superquadra 309 Sul, onde moram os senadores, às 15h22m. De lá, Maria do Carmo seguiu para um centro médico, onde permaneceu por quase duas horas. O carro oficial não a esperou: voltou ao edifício para buscar um menino - seu neto, segundo servidores do gabinete da senadora - e a empregada da família.

Às 16h10m, o garoto foi deixado pelo motorista do gabinete no Instituto de Música e Dança, na quadra 315 Sul, para uma aula de violão. Seis minutos depois, o veículo já estava em frente ao hortifruti, onde desceu a empregada. Antes de voltar ao centro médico onde estava Maria do Carmo, o carro ainda buscou o menino e o levou para casa. Depois do compromisso, a senadora seguiu diretamente para o apartamento. Quase simultaneamente, seus colegas que cumpriam a jornada de trabalho aprovavam três projetos de lei, entre eles o que permite a guarda compartilhada de filhos de pais separados. Procurada, Maria do Carmo se recusou a dar explicações sobre o uso do veículo oficial.

Conselheira do TCDF: normal ir a lojas com veículo oficial

No dia seguinte, quarta-feira, novo flagrante de abuso do carro oficial. Um Vectra do Tribunal de Contas do Distrito Federal, placa 0007, participava de uma missão nada secreta na capital: transportar a conselheira Anilcéia Machado, ex-deputada distrital, e uma amiga numa manhã de compras. A primeira parada foi numa loja na quadra comercial 105 Sul. De lá, seguiram para a quadra comercial 305 Sul, mais conhecida como a Rua das Butiques. Durante cerca de uma hora, entraram e saíram de lojas de sapato. O resultado das compras podia ser visto em algumas sacolas.

Consultada, Anilcéia identificou a colega de passeio como sua chefe de gabinete e disse ter usado o veículo para almoçar num restaurante e, no caminho de volta ao tribunal, consertar um relógio e trocar um sapato. A conselheira disse considerar "perfeitamente normal" o uso do veículo oficial para essas atividades em horário de serviço. Ao ser lembrada de que segurava mais de uma sacola, justificou-se:

- Quando vou trocar um sapato, compro dois. Mulher quando vai a uma loja não sai sem um pacote...

Desde 1950, a legislação brasileira condena o uso particular de veículos oficiais. Uma lei federal sancionada pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra já determinava que "os automóveis oficiais destinam-se, exclusivamente, ao serviço público" e dizia que é "rigorosamente proibido" o uso dos carros para o "transporte de família do servidor" ou de "pessoa estranha ao serviço público".

Todos os senadores têm direito a um carro com motorista, podendo utilizar uma cota de 25 litros de combustível por dia. A manutenção do veículo - que compreende serviços de reparo, pintura, fornecimento de peças, material, óleo e pneus - é toda paga com o orçamento do Senado. De acordo com o regimento interno da Casa, os parlamentares são obrigados a devolver os carros aos sábados, domingos e feriados, "salvo na hipótese de realização de sessão do Senado ou do Congresso nesses dias". O regimento também impede os veículos de deixarem o Distrito Federal.

As denúncias de uso privado do veículo oficial também já atingiram o senador do Acre Geraldo Mesquita Júnior, hoje no PMDB. Testemunhas o acusaram de ter contratado um motorista com salário de secretário parlamentar de gabinete (R$6,8 mil), que dirigia para a sua família. O senador, que foi investigado pela denúncia de que se apropriava de parte dos salários de funcionários de seu gabinete, admitiu à época que o funcionário trabalhava como motorista. E disse que ele ficava encarregado de transportar pessoas que chegavam do Acre para visitar os ministérios.

COLABOROU Bernardo Mello Franco