Título: Cuba faz reformas para ser a China do Caribe
Autor: Barbosa, Flávia
Fonte: O Globo, 18/11/2007, Economia, p. 33

Com Raúl Castro à frente, país busca investimentos estrangeiros que tragam inovação tecnológica e prevê abertura.

HAVANA. A poucos meses do início das comemorações do cinqüentenário das batalhas que culminaram na vitória dos revolucionários, Cuba se prepara para uma segunda fase de abertura econômica. O plano, desenhado sob a interinidade de Raúl Castro na presidência, prevê reformas graduais nos sistemas cambial, monetário e fiscal, bem como um programa de atração de investimentos estrangeiros, para além do tripé turismo, energia/mineração e transporte portuário. Hoje é explícita a aspiração da ilha de se integrar ao mundo globalizado. O país que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve visitar até o fim do ano (ele adiou a viagem desta semana) quer criar uma "China do Caribe".

- Nosso esforço é para imprimir um ritmo maior à economia de Cuba - afirmou Ramón Marin, ministro de Investimento Estrangeiro e Colaboração Econômica (Minvec), em seminário para investidores.

Governo não quer repetir erros dos anos 90

Os estrangeiros já integram 237 empresas de capital misto (participação majoritária do Estado) e mais 125 arranjos contratuais. Juntas, as 362 iniciativas faturaram em 2006 US$3,7 bilhões, 8% do Produto Interno Bruto (PIB), de US$45,5 bilhões. É pouco diante do potencial da ilha. Embora cresça a uma média superior a 5% desde 2002 - nos últimos dois anos, 11,8% e 12,5%, o que deve se repetir em 2007 -, Cuba está em reconstrução e precisa de competitividade. Por isso, a atração de capitais está voltada a projetos que contribuam tecnológica e produtivamente.

- Muitos erros foram cometidos nos anos 1990, pois não tínhamos experiência e precisávamos (devido à crise econômica). Havia mais compra e venda e menos transferência - diz Miriam Martinez, diretora da Câmara de Comércio de Cuba.

Na área de energia, Cuba quer parcerias que lhe dêem tecnologia para explorar petróleo em águas profundas. Em turismo, busca complementação aos hotéis, com a construção de campos de golfe, marinas e parques temáticos. De sua parte, o Estado investe na reforma de lojas e edifícios no Centro histórico, que estão sendo transformados em minishoppings e escritórios. Fazem claro contraste com a ainda precária condição das habitações. O governo apresenta seus trunfos:

- Temos a oferecer garantia de dividendos livres de impostos, alíquotas menores de importação para construção e produção, meio de transporte, mão-de-obra formada e excelente posição geográfica - afirma Anaiza Rodríguez, diretora de Avaliação e Gestão de Projetos de Investimento do Minvec.

Apesar do bloqueio, EUA já são 3º maior exportador

À fórmula se soma o pragmatismo. Espanha e Canadá são os maiores investidores em Cuba, em empresas associadas com o Estado. Mas EUA e Israel - dois dos quatro votos pela manutenção do bloqueio econômico - também têm vez. Do México, chegam latas de Coca-Cola, símbolo imperialista difícil de achar até dois anos atrás e que hoje é figurinha fácil até em templos cubanos como La Bodeguita del Medio.

Os EUA, a despeito do bloqueio (a venda de alimentos e remédios é autorizada), já são o terceiro maior exportador para Cuba, com 7% do total, contra 6% do Brasil. Mas os números são subestimados, devido à comercialização triangulada. Não à toa, na XXV Feira Internacional de Havana, o governador do Arkansas, Mike Beeb, circulava animado. Segundo fontes, a ofensiva já roubou espaço do frango brasileiro em Cuba.

- Os estados do Sul sempre nos viram como mercado natural - diz Raúl de la Nuez, ministro do Comércio Exterior.

Também é prática a relação com Israel. O grupo BM é sócio do governo cubano no Miramar Trade Center, projeto de US$200 milhões para construção de 18 modernos prédios de escritórios. Ele foi batizado por Fidel Castro, que autorizou a parceria em torno da marca World Trade Center, que o Estado tinha direito de explorar desde 1981. Cinco prédios já estão prontos. Mas foi o suporte ideológico que ajudou Cuba. A Venezuela de Hugo Chávez e a China são hoje seus maiores parceiros comerciais e dão fôlego financeiro ao governo. Os venezuelanos, ao venderem petróleo subsidiado. Os chineses, ao financiarem o comércio bilateral (o financiamento é uma das barreiras do bloqueio).

Em seu último relatório sobre a ilha, do início do mês, a Economist Intelligence Unit afirma que a implementação de medidas liberalizantes é inevitável, mas será bastante gradual, o que manterá a captação de investimento estrangeiro aquém de seu potencial por um bom tempo. Nessa projeção ainda pesam limitações no mercado doméstico. A principal é a coexistência de duas moedas (pesos cubanos e pesos conversíveis), com cotações oficiais e reais, distorcendo preços e salários.

Já a transição política é uma incógnita. A dúvida reside na capacidade de Raúl Castro manter os pilares do regime, unificando a cúpula do Partido Comunista (PCC) em torno de seu nome e oferecendo respostas às insatisfações da sociedade.

Para se fortalecer, Raúl - que terá de ser eleito pela Assembléia Nacional em 2008, caso Fidel não se recandidate - imprime à sua gestão um caráter mais coletivo e descentralizado. Ele, por exemplo, incentivou debates nas associações sobre como melhorar a eficiência da economia e o bem-estar. A avaliação recorrente, porém, é que Raúl será bem-sucedido e haverá uma transição gradual, sem disputas internas de poder.

(*) A repórter viajou a convite da Apex-Brasil para participar da XXV Feira Internacional de Havana

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