Título: Presidência cada vez mais cara
Autor: Casado, José
Fonte: O Globo, 19/11/2007, O País, p. 3

Gasto anual do gabinete presidencial passou de R$223 milhões, em 2003, para R$350 milhões.

Presidentes sempre custam caro aos bolsos dos contribuintes. A administração Luiz Inácio Lula da Silva não foge à regra. Com uma diferença: seus custos são crescentes.

Em 2003, as despesas do gabinete presidencial somaram R$18,5 milhões na média mensal. Foram R$223,1 milhões no ano - de acordo com os registros do Tesouro Nacional, levantados pela organização não-governamental Contas Abertas. Nos últimos três anos, o gasto subiu para a média mensal de R$29 milhões, ou R$350 milhões por ano. Em declínio está somente o nível de transparência das declarações de gastos no sistema de gestão financeira governamental. Nas contas da Presidência, por exemplo, passou a ser computada a despesa com propaganda governamental, sem distinções.

O presidente Lula tem salário de cerca de R$11.239, com todas as despesas pagas, que incluem a manutenção de um gabinete pessoal à margem da estrutura da Presidência da República.

Até meados do ano, essa assessoria particular era composta por 68 pessoas. No dia 20 de agosto, seu tamanho foi mais que duplicado: por decreto (número 6.188), passou a contar com 149 integrantes.

Trabalhar no gabinete pessoal do presidente, além de prestígio, significa estar no topo da folha de salários do serviço público, integrar a elite do funcionalismo e, por conseqüência, ter acesso às mordomias de que desfruta esse grupo. A recente mudança permitiu à assessoria particular presidencial incorporar uma centena de cargos com salários acima de R$6 mil. A equipe de "apoio", cujos salários são inferiores, também cresceu: de 28 para 49 pessoas. Quase todos têm ligações com o Partido dos Trabalhadores, e a maioria possui raízes no movimento sindical de onde surgiu Lula.

Gasto com palácios é de R$140 milhões

A rotina do presidente em Brasília ocorre em um raio de 12 quilômetros: trabalha no Palácio do Planalto, mora no Palácio da Alvorada e, de vez em quando, passa fins de semana na Granja do Riacho Fundo, mais distante. Os gastos com os palácios são estimados em R$140 milhões, debitados na conta da Secretaria de Administração da Presidência.

Quando desenhou o Palácio da Alvorada, residência oficial, o arquiteto Oscar Niemeyer deu-lhe colunas brancas que, à distância, sugerem um prédio flutuante sobre um espelho-d"água. É um edifício de 7,3 mil metros em terreno de 400 mil metros quadrados, à beira do lago Paranoá, com seis suítes (a principal tem 120 metros quadrados), salas de cinema e música, academia de ginástica, piscina olímpica aquecida, sauna com sala para massagens e uma adega para ao menos duas mil garrafas. Ali, há 60 servidores - não incluída a equipe de segurança, cujo custo anual de R$4 milhões abrange as despesas de proteção do escritório e da residência do presidente em São Paulo, além dos familiares em Florianópolis e Blumenau.

A Presidência é um órgão com despesas peculiares. Não existe definição legal sobre a fronteira entre aquilo que seriam gastos públicos e privados do presidente. E quase todos os dispêndios são classificados como "secretos". O Tribunal de Contas da União (TCU), por exemplo, confessou sua dificuldade em distinguir a fronteira público-privada ao examinar os gastos presidenciais com cartões de crédito, pagos pelo governo: "A legitimidade da despesa não está ligada somente a seu objeto ou valor, mas também à destinação" - escreveu o ministro Ubiratan Aguiar no relatório final de auditoria. "Observaram-se aquisições de produtos que, em outras circunstâncias, seriam questionáveis, como é o caso de aquisições de bebidas alcoólicas ou de gêneros alimentícios refinados".

O uso dos cartões de crédito no Executivo é crescente. Em 2004, os pagamentos somaram R$14,1 milhões, dos quais R$7,8 milhões tiveram origem na Secretaria de Administração da Presidência. No ano passado, o governo gastou R$33 milhões e a secretaria presidencial, R$4,9 milhões, dos quais R$4,8 milhões são considerados "protegidos por sigilo para garantia da segurança da sociedade e do Estado". Neste ano os dispêndios governamentais com cartões duplicaram: R$64,8 milhões até outubro. Do total, a secretaria do presidente se atribui R$3,4 milhões, resguardando mais de 90% como segredo de Estado. Sabe-se que, de cada R$10 em dispêndios com cartões de crédito da Presidência, R$7 correspondem a pagamentos com transporte e hospedagens durante viagens.

O presidente tem uma equipe de mordomos - oficialmente são chamados de ecônomos- para pagar suas despesas. Em 2003 eram 53, mas depois que o TCU identificou irregularidades de cerca de R$18 milhões, o número caiu para 48.

No primeiro mandato, eles pagaram em média R$450 mil por mês com cartões de crédito, destinados a suprir pequenas despesas. Um desses servidores, da equipe encarregada das despesas da primeira-dama, chegou a acumular débitos de R$441 mil entre janeiro e agosto de 2004 - média de R$55,1 mil mensais. Do total, R$198 mil foram saques em dinheiro, na média de R$24,8 mil ao mês.

O TCU estima que 6% das quantias pagas com cartões da Presidência sejam relativos ao abastecimento das despensas do Palácio da Alvorada e da Granja do Torto. Entre janeiro de 2004 e julho de 2005, de acordo com o TCU, a Presidência usou cartões para comprar R$608 mil em "gêneros de alimentação" - média de R$34 mil mensais. Como o sigilo sobre contas presidenciais é quase absoluto, não há meios de diferenciar dispêndios da Coordenação de Palácios das outras unidades.

Às vezes, algumas compras são solicitadas pela equipe de mordomos da residência oficial à Secretaria Geral no Palácio do Planalto e registradas no sistema de gestão financeira do Tesouro. Tem sido assim, por exemplo, com a sucessiva renovação das louças. Já foram compradas mais de três mil novas - com a exigência de "pé lapidado a mão e selo ouro" para taças e copos, e "friso dourado e desenho dourado na borda, representando as colunas do Alvorada".

Há outras, como uma despesa em julho, de R$12.854,70 com abacates, limões, goiabas, abacaxis e outras frutas, além de temperos. Renova-se, também, o mobiliário - por uma estante do tipo "rack" pagou-se R$25,1 mil. Há até custeio de massagens para funcionários do Palácio do Planalto. Em maio, o Tesouro pagou R$6.840,00 por essa forma de "ginástica laboral".