Título: Debate irracional
Autor: Brandão, Manoel Felipe Rêgo
Fonte: O Globo, 15/11/2007, Opinião, p. 7

Unanimidade em matéria de tributo, só há uma: são odiados por todos aqueles que o pagam. Não seria diferente com a CPMF.

Revoluções e guerras foram desencadeadas por insatisfações com o pagamento de impostos. Mais precisamente, pelo inconformismo com a voracidade arrecadatória e com a aplicação ineficiente do dinheiro retirado dos cidadãos.

Sempre foi assim na complexa relação do Estado tributante com a sociedade tributada. Mas nada justifica a ausência de racionalidade que tem pautado o debate em torno da prorrogação da CPMF.

De um lado, a oposição e parcela da imprensa, numa gritaria ensurdecedora, bradando argumentos de toda natureza, alguns até de honestidade intelectual duvidosa. Outros poucos razoáveis, que se invalidam por virem vinculados aos que não convencem a mais simplória das inteligências.

Do outro lado, o governo se limitando a dizer que precisa do dinheiro, e que a extinção da CPMF inviabilizará programas sociais tão caros às camadas sociais mais carentes.

Até que se construa a sociedade ideal, utópica, em que a solidariedade plena amenize os corações dos homens, teremos que conviver com o Estado, com os tributos e com suas imperfeições.

Os defeitos do sistema tributário brasileiro são notórios, exigem correções, e a discussão se faz necessária; mas não ao embalo de discursos inconseqüentes.

O desperdício e a má gestão dos recursos públicos são condenáveis. Cobrar tributos para financiar esse tipo de desserviço e sufocar a atividade produtiva é inaceitável. Essa verdade inexorável, porém, não deve levar à solução simplista de se extinguir a CPMF sob o argumento de que se reduziria a carga tributária. É preciso que os defensores da idéia apontem responsavelmente os gastos que serão eliminados para ajustar o orçamento.

O passionalismo que norteia o debate sequer permite ver que o legislador brasileiro, em momento de rara inspiração, instituiu um tributo de elevada eficiência arrecadatória, desburocratizado e que atua, embora não seja sua finalidade essencial, como poderoso instrumento de combate à sonegação fiscal e a outros crimes tributários e financeiros.

Um tributo com tais características não pode jamais ser abandonado por nenhum Estado. E são essas características positivas que mais estimulam essa ira contra a CPMF. Pretende-se jogar no lixo da História uma obra legislativa de inegável eficiência e indiscutível eficácia.

O governo bem poderia prestar um grande serviço ao país e aos futuros governos acabando com essa angústia que se renova a cada prorrogação da CPMF: deveria propor a transformação em tributo permanente, a partir de 2011. A proposta poderia compor a anunciada reforma tributária. Aí, sim, o Congresso Nacional discutiria profundamente a desoneração paulatina de outros tributos, de forma a afastar os alegados impactos negativos da CPMF, sem o desequilíbrio orçamentário que a extinção imediata causaria.

Há quem defenda a manutenção da CPMF, com alíquota simbólica (0,001%, v.g.), como simples instrumento fiscalizatório. Essa solução, por razões óbvias, não poderia ser implementada imediatamente, sem graves reflexos orçamentários, salvo se acompanhada de medidas compensatórias, traduzidas na oneração de outros tributos menos injustos, no entendimento dos adversários da CPMF. Isto, certamente, não é o que pretendem. Mas o pior defeito dessa proposta é retirar o poder arrecadatório de um tributo de dificílima sonegação.

Efetivamente, a CPMF não deve ser extinta. É preciso coragem para defendê-la, sem deixar de enfrentar, simultaneamente, a discussão sobre o peso da carga tributária e a ineficiência nos gastos públicos. Não há como negar o esgotamento do modelo tributário brasileiro que garroteia os setores produtivos, mas nada justifica a prodigalidade dos que propõem a simples morte da CPMF.

Oportunidade ímpar para esse debate ocorrerá durante a discussão sobre a reforma tributária que o governo remeterá ao Congresso. Caberá à sociedade se manter atenta e cobrar soluções eficientes e duradouras, e aos que formam e alimentam a opinião pública e são os canais de verbalização da sociedade caberá uma reflexão sobre as conseqüências de seus discursos. De nada serve ao país o debate irracional em torno de uma questão tão grave. Lembremos que participamos de um concerto mundial veloz e intermitente que pune com severidade erros previsíveis e evitáveis.

MANOEL FELIPE RÊGO BRANDÃO foi procurador-geral da Fazenda Nacional.