Título: Oposição no Senado convocará presidente do Ipea
Autor: Duarte, Patrícia; Rodrigues, Lino
Fonte: O Globo, 17/11/2007, Economia, p. 31

Objetivo é esclarecer afastamento de 4 pesquisadores. Para cientista política, governo Lula tenta "enquadrar" instituição.

BRASÍLIA, RIO e SÃO PAULO. A oposição vai encaminhar um pedido de convocação ao presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann, na próxima semana, para explicar ao Senado sua decisão de afastar quatro economistas da instituição: Fabio Giambiagi, Gervásio Rezende, Régis Bonelli e Otávio Tourinho. A informação é do senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), que classificou a ação de Pochmann de "autoritária".

- O Ipea tem tradição de pluralidade de idéias. Agora, chega esse rapaz (Pochmann), com desculpas bem esfarrapadinhas, e faz o que fez - afirmou o senador.

Segundo o economista e ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco, o episódio é "lamentável, um perigoso indício de perseguição ideológica da pior espécie, com cheiro de macartismo e aparelhamento":

- Dispensar um pesquisador com a produtividade do Fabio e a experiência dos outros é injustificável. Quem deveria ser dispensado é o novo superintendente do Ipea.

"Mangabeira sempre quis impor sua visão"

A cientista política Lucia Hippólito, co-organizadora do livro "Ipea - 40 anos apontando caminhos", classificou a decisão de Pochmann de um "aparelhamento político e ideológico". Ela lembrou que, desde o início do governo Lula, o ex-ministro José Dirceu falava em "enquadrar" o Ipea. Mas, na avaliação de Lucia, faltava ao governo um nome de créditos acadêmicos inquestionáveis.

A vinda de Mangabeira Unger para o ministério - como titular da Secretaria de Planejamento de Longo Prazo, ao qual o Ipea passou a ser subordinado - foi vista pelo governo como a oportunidade esperada.

- É preciso deixar claro que Mangabeira é um intelectual respeitado, mas na área de direito. Ele sempre quis impor sua visão de mundo e participar. Interferência como a vista no Ipea seria impensável em Harvard (onde Mangabeira lecionava).

Ela afirma que o viés ideológico na nova diretoria do Ipea é claro. Segundo Lucia, João Sicsú - novo titular da Diretoria de Estudos Macroeconômicos, no Rio, e à qual estavam vinculados os pesquisadores afastados esta semana - seria o principal assessor econômico do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ):

- O Ipea tinha uma história de independência, de dizer as verdades que governo nenhum quer ouvir. Nem na ditadura se viu atitudes desse tipo.

Dentro do Ipea, muitos técnicos vêem como interferência direta de Mangabeira parte das mudanças nas diretorias. Os técnicos afastados, por sua vez, queixam-se principalmente das justificativas apresentadas:

- Dizer que é porque sou aposentado é um sofisma. Sempre fui contido, nunca tive uma atuação panfletária. Não faço idéia do motivo (do afastamento). Talvez pelos meus estudos recentes sobre trabalho escravo - disse Gervásio Rezende.

O ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso, que por 15 anos esteve à frente do Ipea, preferiu não comentar as mudanças. Para ele, o afastamento dos pesquisadores é uma "questão interna do Ipea", e o mais importante é que o órgão mantenha sua visão estratégica.

- Que a orientação básica permaneça. A partir de agora, vamos acompanhar e ver como as coisas evoluem - afirmou.

O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, também não quis falar sobre o assunto. A assessoria de imprensa do banco informou que a saída de Fabio Giambiagi e Otávio Tourinho do instituto "é um processo de rotina". Ambos fazem parte dos quadros do BNDES, e o convênio que os cedia ao Ipea se encerra em 7 de dezembro.

Acadêmicos de visão mais desenvolvimentista não viram problemas na decisão de Pochmann. Ricardo Carneiro, colega do presidente do Ipea na Unicamp, diz que se está fazendo um barulho excessivo, já que o remanejamento e a cessão de pessoal são uma característica do órgão. Segundo Carneiro, Pochmann deve estar buscando "um ajuste de agenda", para alinhar os estudos e as pesquisas do Ipea às prioridades das políticas de governo.

Carneiro entende que o Ipea não pode ter o mesmo grau de autonomia das universidades na definição de sua agenda de estudos, já que sua atribuição principal é subsidiar o planejamento do país a longo prazo.

- Antes até do governo Lula, (o Ipea) havia perdido um pouco sua função de fazer pesquisas aplicadas, ligadas à agenda e ao conjunto de prioridades do governo.

Esse realinhamento de agenda, ressalta Carneiro, não pode significar o cerceamento à liberdade de pensamento dos pesquisadores do órgão:

- Creio que haverá uma orientação mais estrita sobre os temas discutidos, não sobre o conteúdo das pesquisas.

Para consultor do Iedi, longo prazo deve ser foco do Ipea

Consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Júlio Gomes de Almeida, não entra no mérito dos nomes afastados nem nos motivos dessa medida. Mas avalia que o Ipea está "distante da sua função". Segundo ele, o que o Ipea vem fazendo são análises de conjuntura de curto prazo, que são de excelente qualidade, sim, mas que concorrem com a academia, com o que é feito nas universidades e também pelo próprio Banco Central.

- A questão é que o Ipea, que é o único órgão que tem acesso a dados do governo que ninguém mais tem, não supre uma lacuna fundamental, que é a análise de longo prazo e planejamento para nortear políticas públicas.

Gomes de Almeida observa ainda que, para atualizar o Ipea, não há necessidade de "fazer caça às bruxas, ou direcionar os pensamentos da instituição para direita ou para a esquerda".

- O governo precisa menos de análise de conjuntura e mais de rumo, saídas para gargalos e meios de potencializar seu crescimento.

COLABOROU Mirelle de França