Título: Não se pode paternalizar o consumidor
Autor: Delmas, Maria Fernanda; Alves, Cristina
Fonte: O Globo, 17/11/2007, Economia, p. 32

Para Olivetto, governo não resolve problemas cerceando propaganda de álcool e deveria focar saúde e educação.

Recém-agraciado com o troféu de publicitário mais criativo do século pela Associação Latino-Americana de Agências de Publicidade (o do século passado já era dele), Washington Olivetto critica a censura na propaganda e fala da crise de criatividade mundial. O publicitário ainda comemora os 20 anos da emblemática campanha do primeiro sutiã da Valisère. Prepara, pela editora Planeta, um livro sobre a história da campanha e "as primeiras coisas que a gente nunca esquece", da gastronomia à arquitetura - a expressão, segundo Olivetto, é a mais citada na propaganda mundial e em outras atividades. Em 2008, celebra os 30 anos do garoto Bombril, que o dono da W/Brasil ajudou a criar quando ainda estava na DPZ.

Maria Fernanda Delmas e Cristina Alves

A publicidade brasileira passa por uma crise de criatividade?

WASHINGTON OLIVETTO: A publicidade mundial passa por uma crise de criatividade. A brasileira tem ainda um agregado: além disso, passa por uma crise de auto-estima. Como durante anos teve auto-estima muito alta, agora a crise de auto-estima é grande.

Por que há essa crise de criatividade?

OLIVETTO: Todo o mundo está discutindo os meios e o negócio, e poucos estão se preocupando com o conteúdo. É como se você comprasse um sapato antes de saber o tamanho do pé. E a tecnologia, que pode ser fabulosa para materializar qualquer idéia, é péssima quando fornece uma possibilidade de esconder uma pauta de idéias. Em muitos casos, a forma está substituindo o conteúdo ou escondendo a falta dele. Começa-se a discutir que a Argentina está fazendo uma publicidade melhor que a do Brasil, o que não é verdade. A Argentina está vivendo uma melhora, mas até pelas condições de indisciplina de mídia, eles têm peças que são quase meros exercícios criativos.

O que você chama de indisciplina de mídia?

OLIVETTO: Na Argentina, não há grades de programação com segundagens estabelecidas, as possibilidades de se interferir no conteúdo editorial são muito grandes. A publicidade no Brasil só ficou boa porque a mídia é extremamente profissional.

Já dá para medir resultados da publicidade na internet?

OLIVETTO: Um objeto que foi de fascinante à coisa mais moderna do planeta durante 15 minutos foi o fax, porque depois surgiu o e-mail. Mas o raciocínio de que o novo mata o anterior não é realista no universo da comunicação. O que está faltando é a idéia de que as mídias se transformam em complementares. Mas há uma espécie de luta de classes. É mais que humano que os meninos criadores de internet façam o discurso de que a partir de agora só existirá a internet. Acho que o negócio vai se ajustar rapidamente no conceito de que a boa comunicação precisa ter uma grande idéia que adquira a característica da mídia em que será veiculada. Na internet, há muitas coisas sendo usadas que ainda não têm a linguagem de internet ou são simplórias. Ainda não há uma geração de grandes criadores de internet. E ainda não se descobriram meios de comercialização que gerem dinheiros efetivos. Na televisão, a digitalização e o aumento das telas só vão favorecer a TV aberta, porque o assistir é um gesto gregário. O Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho) escreveu que, possivelmente, a ampliação das telas e a digitalização reinventem um tipo de televizinho. Quem não tiver uma televisão enorme vai à casa do vizinho.

Rotular coisas antigas como novidade é algo recorrente na publicidade?

OLIVETTO: Em 1975, fiz roteiros para filmes do Bamerindus, que queria se posicionar como um banco com preocupações sociais. Um tema era segurança no trânsito. No roteiro, uma mulher no psicanalista dizia que estava infeliz pois o marido corria no trânsito, porque ele tinha um problema. Tinha uma insinuação de impotência sexual explícita. A idéia era que qualquer cara que passasse correndo fosse chamado de broxa. Este ano, a grande novidade da publicidade mundial é um filme australiano em que a proposta tecnicamente é a mesma. Você percebe que a comunicação é um negócio de criação e recriação.

O país está discutindo restrições a bebidas. Sua agência ganhou uma conta de cervejas (três marcas do grupo Schincariol). A propaganda tem que ser socialmente responsável?

OLIVETTO: A publicidade é feita e aprovada por pessoas. Quanto melhores forem essas pessoas, melhor será a publicidade. E ninguém fica de boa índole por decreto. A primeira coisa é lutar para que essas coisas sejam feitas e aprovadas por pessoas melhores. Sou obviamente contra todo e qualquer tipo de censura, e totalmente a favor de disciplina e legislações. O Brasil tem na área de publicidade uma das legislações mais bem aparelhadas e sofisticadas do mundo. O governo tem tantas outras coisas a fazer, particularmente em educação e saúde, que não precisa ficar se preocupando com isso. E cada vez mais cresce a publicidade socialmente responsável.

Quem é o maior inimigo da indústria de bebidas?

OLIVETTO: O bêbado. É ele que faz com que as mães digam: "Meu filho, não beba". Para cada bêbado, são alguns consumidores que você está perdendo.

Como você avalia a legislação que existe sobre propaganda de bebidas?

OLIVETTO: A grande questão é ter, com limitação e disciplina de horários para exibir os anúncios, um conseqüente e consistente trabalho de campo em que verdadeiramente não se sirvam bebidas para menores. Não se resolve só cerceando a propaganda.

E sobre cigarros?

OLIVETTO: Acho que, quando permitida, a propaganda deveria falar mais claramente dos malefícios do cigarro. Não é colocando no final que se resolve isso. Não se pode paternalizar o receptor.

A propaganda tem, afinal, um papel social ou não?

OLIVETTO: Não se pode trabalhar com clichês, reforçar preconceitos. Se vou fazer uma campanha, não ponho a empregada negra. Mas não vou criar uma situação artificial em que todos os presidentes de empresa são negros. Se houver bom senso, você só vai errar de vez em quando.

Erra-se muito?

OLIVETTO: Faz parte. Você está tão exposto, a mídia é tão descartável. Acho bobagem o publicitário que se acha um tesão. Até entendo algumas apoteoses mentais. Se tem uma profissão em que o ego é massageado e destruído de uma hora para a outra é a de publicitário.

Num mundo em que tudo circula livremente pela internet, como ficam direitos autorais?

OLIVETTO: Na publicidade, a solução melhor que se inventou e prevalece é que, uma vez criada e remunerada pelo cliente, a campanha é do cliente. O garoto da Bombril é da Bombril, o cachorro da Cofap é da Cofap. E acho que paródia é uma forma de homenagem. Não fico lambendo a cria. Já fez, tudo bem, faz outro. É diferente de outras propriedades intelectuais, como um quadro.