Título: Pluralismo ou tirania da maioria?
Autor: Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 17/11/2007, O Mundo, p. 37

BUENOS AIRES. Ter um governo eleito nas urnas não é condição suficiente para que uma democracia seja considerada sólida. Na opinião de analistas políticos da região especializados em sistemas democráticos, vencer uma eleição não dá plena legitimidade a um governo, já que devem ser considerados outros fatores tão ou mais importantes, como por exemplo um real equilíbrio de poderes, a existência de partidos políticos fortes e capazes de controlar o Poder Executivo e uma sociedade civil participativa.

- Existem dois tipos de democracias: as pluralistas e as populistas. No caso da Venezuela, por exemplo, existe uma democracia de qualidade inferior porque o país não tem instituições fortes e, sobretudo, um sistema de contrapesos na administração do poder - explicou o analista uruguaio Jorge Lanzaro, do Instituto de Ciência Política da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade da República.

Na visão de Lanzaro, autor de trabalhos sobre os governos de esquerda na América Latina, "para que uma democracia seja pluralista é fundamental que existam mecanismos de controle do poder".

- As democracias populistas vencem eleições e, com isso, têm uma legitimidade de origem. Mas o problema surge no processo de governo, na gestão. Faltam instituições fortes, equilíbrio de poderes e partidos de oposição eficientes. A culpa não é só dos governos, a oposição faz parte do problema - afirmou Lanzaro.

Os casos de Helmut Kohl, na Alemanha, e Margaret Thatcher, no Reino Unido, disse o analista uruguaio, não podem ser comparados a governos latino-americanos que permanecem vários mandatos no poder. Ele comparou o governo do presidente venezuelano Hugo Chávez ao do ex-presidente peruano Alberto Fujimori (1990-2000).

- Em ambos os casos, os presidentes venceram eleições, mas Fujimori fechou o Congresso. No caso da Venezuela, o governo controla a Assembléia Legislativa e todos os demais poderes do Estado - disse Lanzaro, que recuperou o conceito de "tirania da maioria" de James Madison, um dos pais da Constituição dos Estados Unidos. - Na Venezuela, cada vez mais, temos uma tirania da maioria.

Para o chileno Ricardo Israel, diretor do Centro Internacional para a Qualidade da Democracia, "os países latino-americanos estão longe de terem democracias de qualidade, pois em todos os casos faltam reformas de segunda geração".

- O problema de nossos governos é que eles se comparam a ditaduras do passado para dizerem que são democráticos. Temos de nos comparar com sistemas modernos - disse Israel.

Na visão do analista chileno, "no caso da Venezuela, existe uma enorme concentração de poder que prejudica a qualidade da democracia do país".

- Uma democracia consolidada requer divisão de poderes, instituições de qualidade, um governo que explique ao país o que está fazendo e em que está gastando o dinheiro público, uma sociedade que participe e um debate constante - assegurou Israel.