Título: Mais cinco anos
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 22/04/2009, O Mundo, p. 14

Com candidato polêmico, partido de Nelson Mandela deve fazer o quarto presidente seguido e manter a hegemonia conquistada com o fim do apartheid. Oposição aposta em crescer para arrancar compromissos

O país que conheceu eleições livres somente 15 anos atrás volta hoje às urnas para escolher seu quarto presidente sob o regime de democracia racial. Mas, apesar da mobilização e de um suave fortalecimento da oposição, o candidato do partido governista, Jacob Zuma, deverá vencer com grande folga. As pesquisas mais recentes mostram o representante do Congresso Nacional Africano (CNA) com 60% das intenções de voto. Se a previsão for confirmada, serão mais cinco anos de governo do partido, que monopoliza o poder na África do Sul desde o fim do regime segregacionista do apartheid, em 1994. A expectativa é de que a participação seja recorde, com mais de 20 milhões de votantes.

A popularidade de Zuma se concentra especialmente entre a grande parcela de negros que vivenciaram a exclusão em um país dividido e ainda louvam o CNA pelo fim do apartheid. Segundo uma pesquisa do Ipsos Markinor, divulgada recentemente, 79% dos eleitores negros votarão no partido do governo. O apoio do ex-presidente Nelson Mandela, figura quase mítica entre os sul-africanos, reforça ainda mais as chances de o polêmico Zuma (leia ao lado) chegar ao poder.

Mas se entre essa parcela negra o discurso que remete ao passado ¿ com direito a hinos da época da luta armada ¿ funciona, os brancos, mestiços e eleitores jovens alegam que é preciso muito mais do que um currículo de militância para fazer um bom governo. Esses últimos, que representam quase um terço do total de inscritos, têm sido o alvo de Zuma nas últimas semanas. Em um discurso feito ontem, na sede do CNA, o candidato conclamou os maiores de 18 anos a votar pela primeira vez e ¿garantir um grande futuro¿ ao partido. ¿Temos confiança em obter uma boa porção do voto dos jovens¿, disse com convicção.

Os concorrentes, no entanto, não parecem se intimidar com a derrota quase certa. A candidata Helen Zille, da Aliança Democrática, principal partido da oposição, e Mvume Dandala, do Congresso do Povo (Cope, dissidência do CNA), continuam em campanha para evitar, ao menos, que o partido do futuro presidente obtenha também dois terços do Parlamento. ¿É possível que a Aliança e o Cope recebam, respectivamente, cerca de 16% e 15% dos votos, o que já representa uma oposição mais forte e mais consolidada do que em 1999 e 2004. Mas não há possibilidade de que Zuma e o CNA não vençam¿, afirmou ao Correio o diretor do Departamento de Ciência Política da Universidade da África do Sul (Unisa), Dirk Kotze.

Hegemonia Para Kotze, a vitória inevitável de Zuma com uma boa vantagem e a manutenção do CNA por mais cinco anos no poder exigem atenção, embora atendam à vontade da população expressa nas urnas. ¿A dominação do CNA não é boa para uma democracia jovem, mas também não é antidemocrática. A mesma situação existe no Japão, na Índia, no México e também em Botsuana ¿ uma das mais antigas democracias da África¿, compara. Ele destaca, porém, que ¿uma oposição forte não é, necessariamente, uma indicação de qualidade da democracia¿. Contudo, a oposição representada por Zille e Dandala terá de mostrar pulso firme para garantir que Zuma tenha sempre no centro de sua agenda os principais problemas que afligem a sociedade sul-africana hoje: a Aids, o desemprego, a criminalidade e a desigualdade social persistente.