Título: Caças da discórdia
Autor: Valente, Leonardo
Fonte: O Globo, 17/11/2007, O Mundo, p. 38

Venezuela pode desestabilizar região.

A Venezuela aumentou muito os gastos militares desde o ano passado, e a continuidade do mesmo nível de compras bélicas nos próximos anos poderia afetar a estabilidade da América do Sul. Os dados e a avaliação foram apresentados ontem durante a IV Conferência do Forte de Copacabana, que reuniu especialistas em segurança internacional de América do Sul e Europa.

Em 2006, Hugo Chávez investiu US$3,1 bilhões (R$5,4 bilhões) apenas na compra de armas, como 24 caças russos SU-30, navios de guerra espanhóis e cem mil fuzis AK-103. Isso é o equivalente a 1,6% do Produto Interno Bruto venezuelano. Em comparação, todos os gastos militares do país em 2005 representaram 1,2% do PIB, incluindo pagamento de pessoal.

- Houve uma mudança. Só a compra dos caças custou entre US$800 milhões e US$1,5 bilhão - disse Leonardo Paz Neves, pesquisador do Grupo de Análise de Prevenção de Conflitos Internacionais, frisando a importância do tipo do investimento, pois, na América do Sul, os gastos militares com pessoal giram em torno de 75% do total. - Em 2006, a Venezuela foi o quarto maior comprador de armas do mundo.

Apesar de, no curto prazo, poucos acreditarem que Chávez poderia provocar uma profunda alteração na relação de forças na América do Sul - a não ser que o nível de investimento continue alto por alguns anos - alguns especialistas ressaltam que a capacidade de desestabilização não deve ser observada apenas da perspectiva de uma guerra entre Estados. Preocupa também o aumento da oferta de fuzis e de munição que as compras venezuelanas proporcionarão.

A Venezuela comprou cem mil fuzis AK-103, e suas Forças Armadas têm 50 mil homens. Além disso, Alfredo Valladão, brasileiro que dirige a cátedra sobre o Mercosul no Instituto de Ciências Políticas de Paris, frisa o potencial nocivo da produção em massa de balas calibre 7.62mm na nova fábrica instalada na Venezuela.

- As balas 7.62 são as usadas no AK-103, mas também no AK-47, fuzil muito usado por guerrilheiros na região andina. O preço das balas no mercado vai baixar muito, o que seria perigoso para conflitos internos.

Valladão, no entanto, acredita que o maior problema não são as compras de armas da Venezuela, em si. O Chile, por exemplo, comprou recentemente 132 tanques alemães Leopard 2 e dez caças americanos F-16.

- O problema é a imprevisibilidade, a postura política. Chávez fala de acordo estratégico com o Irã, disse que iria agir caso ocorra algo na Bolívia - diz Valladão.

O argentino Diego Fleitas, diretor da Associação para Políticas Públicas de Buenos Aires, afirma que há uma tendência de aumento dos gastos militares na América do Sul, principalmente em Venezuela, Chile e Brasil.

- Os gastos militares na região estão duplicando entre o qüinqüênio 2000-2004 e o projetado para 2005-2009 - disse Fleitas, que alertou para possíveis tensões no futuro, caso o investimento militar continue crescendo. - Os gastos poderiam acabar gerando os mesmo conflitos que pretendem impedir.

Já a francesa Sophie Jouineau, do Departamento de Assuntos Estratégicos do Ministério da Defesa da França, acredita que o melhor caminho para uma cooperação militar na América do Sul seria ter um objetivo comum, como a luta contra o narcotráfico e o tráfico de armas.

- Quando há um objetivo concreto, e não imaginário, a cooperação é muito mais fácil - disse ela, numa frase que muitos interpretaram como uma referência ao discurso chavista de uma possível invasão americana.