Título: Democracia é mais do que fazer eleições
Autor: Vasconcelos, Adriana; Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 16/11/2007, O Mundo, p. 22

Cientista política afirma que Chávez usa retórica democrática para mascarar crescente tendência autoritária.

As declarações de apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à suposta postura democrática do venezuelano Hugo Chávez não foram bem recebidas pela diretora-executiva do Instituto Venezuelano de Estudos Sociais e Políticos (Invesp). Francine Jácome alerta que - ao contrário do que afirmou Lula - democracia é mais do que eleições, e que no último ano Chávez apresentou claras tendências autoritárias. Ela está no Rio para participar, hoje, de uma mesa na IV Conferência Internacional do Forte de Copacabana.

Renato Galeno

Há quem diga que o presidente Chávez usa um verniz democrático em seu discurso, mas que algumas de suas práticas teriam efeitos distintos em seu país. O que a senhora pensa?

FRANCINE JÁCOME: Em primeiro lugar, Hugo Chávez está no poder há nove anos. Acredito que no princípio havia intenção de se manter dentro das regras democráticas, inclusive de aprofundar a democracia. É isso o que vemos na Constituição de 1999. No entanto, creio que foi se perdendo isso paulatinamente e que, a partir de janeiro, depois da reeleição em dezembro de 2006, vemos uma radicalização, com esta reforma e com outras ações. Definitivamente, estamos nos afastando consideravelmente da democracia. Creio que se vê uma tendência maior para um regime autoritário, personalista, que busca concentrar poder nas mãos de uma só pessoa. E diria que algumas referências que faz o presidente Chávez à democracia são bastante retóricas, porque na prática ele instrumentalizou políticas que definitivamente não são democráticas.

Pode citar exemplos disso?

FRANCINE: Sim. Perdeu-se a independência entre os poderes. Não é segredo para ninguém que o presidente Chávez controla a Assembléia Nacional, o sistema judiciário e os outros poderes que foram criados. Não há o que se chama em inglês de checks and balances (idéia de que os poderes, apesar de independentes entre si, devem exercer um controle sobre os outros), e isso é um elemento fundamental da democracia. Em segundo lugar, através de seu discurso e suas ações, ele fomentou a polarização política, a intolerância.

Muitos chefes de governo têm feito elogios públicos a Chávez, como os presidentes de Bolívia, Nicarágua e Equador. Ontem (anteontem), o presidente Lula fez uma defesa da democracia na Venezuela de Chávez.

FRANCINE: Com respeito às declarações de ontem (de Lula), do meu ponto de vista, democracia é mais do que fazer eleições. Pode-se falar de democracia eleitoral, mas temos estas tendências cada vez mais fortes de que uma só pessoa detenha o poder, na qual se sentem tendências autoritárias. Diria que temos que ter uma concepção mais ampla da democracia que não se restrinja a eleições. Quanto aos outros, é claro que Chávez quer assumir uma liderança regional. Ele exerce influência sobre alguns devido ao boom petroleiro, por ter dinheiro.

Para países que não precisam de ajuda venezuelana, como o Brasil, há motivos para apoiar Chávez?

FRANCINE: No caso brasileiro, deve-se olhar com atenção o que está acontecendo na prática e se perguntar o que aconteceu com os grandes projetos e alianças binacionais. Onde estão? A refinaria (Abreu e Lima, em Pernambuco, que teria participação da venezuelana PDVSA)? O Gasoduto do Sul (risos)? Não há. A Petrobras se retirou de Mariscal Sucre (complexo gasífero venezuelano). São indicativos do que está ocorrendo. Uma coisa são os discursos, outra coisa são as práticas.

O presidente Lula é respeitado internacionalmente...

FRANCINE: Claro, é uma liderança completamente diferente de Chávez...

Mas quando Lula decide utilizar os termos que usou para falar de Chávez, não pode-se considerar uma forma de apoio?

FRANCINE: Se olharmos historicamente, a relação entre Lula e Chávez não é a mesma de 2002 ou 2004. Não creio que vá haver qualquer tipo de confronto, críticas abertas... Bom, a não ser que Chávez as faça (risos).