Título: Mais polêmica à espera de Chávez
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Fonte: O Globo, 20/11/2007, O Mundo, p. 26

Críticas às restrições de liberdade antecedem reunião de presidente venezuelano e Sarkozy.

PARIS e TEERÃ

Opresidente da Venezuela, Hugo Chávez, reúne-se hoje em Paris com seu colega francês Nicolas Sarkozy, num encontro que tem na troca de reféns da guerrilha colombiana por rebeldes presos um de seus pontos chave. Mas antes mesmo de pisar ontem à noite em solo francês, a viagem do presidente venezuelano era antecedida pela polêmica: a organização Repórteres sem Fronteiras (RSF) e um grupo de intelectuais acusaram ontem o governo Chávez de restringir as liberdades na Venezuela.

A RSF enviou a Sarkozy uma carta em que pede ao presidente francês para discutir com Chávez a liberdade de expressão na Venezuela. O presidente da ONG, Robert Ménard, explicou que têm sido registradas violações no direito à informação, como no caso da não renovação da concessão da emissora Radio Caracas de Televisión e do controle da principal empresa de telecomunicações do país, a CANTV.

"Ele tem feito calar toda voz dissidente, para eliminar progressivamente toda forma de contra-poder", disse Ménard na carta, ressaltando que isso fica evidente no fechamento da RCTV e no controle de "sete canais de televisão, duas dezenas de rádios, uma operadora de telefonia e de cerca de 60 jornais".

Críticas surgiram também num artigo ontem no jornal francês "Libération", assinado por intelectuais como os escritores Mario Vargas Llosa e Carlos Alberto Montaner e os filósofos Bernard-Henri Lévy e André Glucksmann. O texto ressalta que a visita a Paris acontece a menos de duas semanas do referendo sobre a reforma constitucional venezuelana, "feita sem consultar ou respeitar os procedimentos legais" e que "suprime o controle aos poderes do Estado". Segundo o artigo, trata-se de "um desvio antidemocrático, no caminho ao totalitarismo".

Uma comissão da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol) está em Caracas para avaliar as liberdades de expressão e de imprensa. O presidente da SIP, Earl Naucker, pretende se reunir com donos de meios de comunicação, ativistas de direitos humanos e sindicatos de jornalistas. A organização está preocupada com artigos da reforma que permitiriam às autoridades deter pessoas sem acusação e censurar a imprensa durante estados de exceção. Recentemente, a Assembléia Nacional, controlada pela oposição, declarou non grata a realização da próxima reunião da SIP na Venezuela, em março de 2008.

Incerteza sobre prova de vida

A chegada de Chávez ontem a Paris, no entanto, estava cercada de expectativa e esperança das famílias das vítimas, para resolver um impasse que envolve reféns há anos em cativeiro. No domingo, antes de deixar Riad, na Arábia Saudita, rumo ao Irã, Chávez afirmara ter certeza de que a ex-senadora franco-colombiana Ingrid Betancourt está viva, embora não tenha provas. Seqüestrada em 2002, Ingrid se tornou um símbolo das centenas de reféns em mãos das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Sua dupla nacionalidade levou a França a entrar no assunto.

- Recebi de Marulanda (líder das Farc) uma mensagem dizendo que confie em sua palavra - disse Chávez, acrescentando que o guerrilheiro pediu que transmitisse a Sarkozy a mensagem de que Ingrid está viva.

Chávez, mediador da troca de reféns, teria encarregado a senadora colombiana Piedad Córdoba - facilitadora na questão - de viajar a Caracas anteontem para receber uma prova de vida de Ingrid, informou a mãe da ex-senadora, Yolanda Pulecio. No entanto, a guerrilha estaria tendo problemas para enviar a tal prova sem dar indícios do seu cativeiro - o que poderia deflagrar uma operação de resgate.

Piedad, que também chegou ontem a Paris, disse acreditar que a questão se resolva logo, mas desconversou sobre estar levando a Paris indícios de que Ingrid está viva.

- É um assunto sobre o qual tenho restrições. Prefiro esperar que seja o presidente Chávez a informar.

Segundo o Palácio do Eliseu, uma prova de que os reféns estão vivos e bem, que poderia ser um vídeo, é "um gesto necessário que pedem às Farc para demonstrar sua vontade" de chegar a um acordo.

Em Bogotá, o governo colombiano e o segundo maior grupo guerrilheiro do país, o Exército de Libertação Nacional (ELN) chegaram a um acordo, com a intermediação de Chávez, para retomar a negociação de paz. E uma nova reunião deve ocorrer em dezembro, informou o ELN.

Ontem, Chávez fez sua quarta visita ao Irã, em que selou novos acordos de cooperação e previu, com o presidente Mahmoud Ahmadinejad, "a queda do dólar e do imperialismo dos EUA". Os dois presidentes afirmaram que "estarão juntos até o final".

- Afortunadamente somos testemunhas da queda do sistema da arrogância e as contínuas vitórias dos povos - disse Ahmadinejad, ao lado de Chávez, que reiterou seu apoio a um programa nuclear iraniano pacífico.

- Dentro de pouco tempo já não vai se falar de dólar. O dólar está caindo e com ele cairá, graças a Deus, o imperialismo dos EUA - disse Chávez, antes de embarcar para Paris.