Título: Menina divide cela com 20 homens no Pará
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 21/11/2007, O País, p. 12

Jovem de apenas 15 anos, acusada de furto, foi levada para delegacia no Pará, onde diz ter sido estuprada

A Corregedoria de Polícia do Pará deverá ouvir hoje a menina de 15 anos que passou um mês presa numa cela com 20 homens. A presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, secional do Pará (OAB-PA), Mary Cohen, disse que a jovem relatou ter sofrido violência sexual na cadeia.

O caso foi denunciado pelo Conselho Tutelar de Abaetetuba (a 56 quilômetros de Belém), onde a menina fora presa por suspeita de furto. Segundo Mary Cohen, ela teria dito que era menor, mas a polícia estava convicta de que tinha mais de 18 anos e não verificou a idade correta.

Em comunicado divulgado ontem, a Secretaria estadual de Segurança garantiu que os policiais envolvidos no caso foram afastados. A OAB-PA está exigindo também a abertura de inquéritos criminal e civil - este, para apurar a responsabilidade do estado.

Representes do Conselho Tutelar foram à delegacia de Abaetetuba, há uma semana, depois de receber uma denúncia anônima. Ao chegar, constataram a presença da menor na carceragem. Foram ao delegado, pedir acesso a ela, e, quando voltaram, a jovem havia desaparecido. A polícia informou que ela havia fugido da delegacia

- Na verdade, policiais abandonaram a menina no porto da cidade e ameaçaram matá-la, se ela falasse alguma coisa. Exigiram que ela deixasse a cidade, mas a jovem se escondeu entre os barcos - disse Mary.

A estudante ficou desaparecida por três dias e só foi localizada sábado. De acordo com a polícia, em Abaetetuba não há carceragem feminina. Mesmo tendo passado um mês, a polícia justificou a prisão da adolescente por ela não estar com a carteira de identidade para comprovar a sua idade. - Mesmo que os policiais tenham dito que ela era maior, isso não exclui o crime. Por ser mulher, jamais poderia ficar presa na cela masculina. Sendo menor, teria de ser encaminhada para um centro de recuperação. Mas é pior porque havia apenas a suspeita da prática de um furto - disse a presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PA.

Mary Cohen disse que a menina mora na cidade, onde trabalhava como empregada doméstica na casa de um tio.

- Temos, num único caso, um conjunto de violações. Ela contou ainda que foi abusada sexualmente na cela. Só não sabemos se apenas pelos presos ou os policiais - lamentou a advogada.

O presidente nacional da OAB, Cezar Britto, considerou como "hedionda e intolerável" a prisão de uma menina:

- É algo impensável no mundo moderno, além de um grave ataque ao sistema constitucional brasileiro - afirmou Britto.

Ele pretende levar o tema para discussão na Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB.

Em nota oficial, a Secretaria de Segurança do Pará registrou que "reafirma seu compromisso com a luta histórica pela prevalência dos Direitos Humanos e com a dignidade humana".