Título: Negócios da China
Autor: Magalhães, Luiz Ernesto; Schmidt, Selma
Fonte: O Globo, 22/11/2007, Rio, p. 14

MERCADO NEGRO

Cesar diz que máfia chinesa pôs fogo no camelódromo e mantém costureiras em cárcere privado.

Uma trama que envolve a Marinha, costureiras orientais em cárcere privado num velho navio e camelôs faz parte das denúncias apresentadas ontem pelo prefeito Cesar Maia, em seu ex-blog, sobre a invasão da máfia chinesa no comércio de mercadorias falsificadas e contrabandeadas no Rio. No ex-blog, Cesar cita a existência de dois grupos de chineses, um deles responsável pelo contrabando e outro pela venda de proteção. O segundo teria provocado o incêndio no camelódromo da Rua Uruguaiana, no Centro, domingo passado, quando, das 1.484 barracas, 227 foram destruídas e 30, danificadas.

Cesar afirmou ter recebido as informações de policiais do setor de inteligência. Por essa versão, o incêndio poderia ter sido criminoso, já que alguns camelôs da Uruguaiana teriam atrasado o pagamento de propinas a um chinês em troca de proteção.

A rede de intrigas incluiria a existência de uma ramificação no camelódromo dos negócios do empresário chinês naturalizado brasileiro Law Kin Chong, preso e acusado pela Polícia Federal de ser um dos maiores contrabandistas do país e proprietário de shoppings em São Paulo.

Secretaria manda investigar denúncias

Até as18h de ontem, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) não havia recebido documento do prefeito oficializando a denúncia. Mas, como os fatos foram tornados públicos pelo ex-blog, a SSP e a Chefia de Polícia Civil determinaram que a Delegacia de Repressão Contra Crimes de Propriedade Imaterial investigue o caso.

Segundo o ex-blog, os produtos vendidos no camelódromo, como camisas, calças, bonés e outros artigos de marca falsificados, seriam confeccionados por 200 costureiras recrutadas em Pequim. A fábrica ficaria num grande navio enferrujado, que receberia proteção de barcos "da guarda costeira da Marinha" (sic). A denúncia, porém, é negada pela Marinha.

A operação seria comandada por um irmão de Law Kin Chong, identificado como Joe. Já o advogado de Law, Miguel Pereira Neto, disse desconhecer associações de seu cliente com irmãos. Ele acrescentou que Law, por razões pessoais, deixou de falar com os irmãos há 12 anos:

- O meu cliente também nunca teve negócios no Rio.

À noite, o prefeito voltou ao tema. Por e-mail, garantiu ter informado o governador Sérgio Cabral sobre as denúncias com antecedência. O emissário teria sido o deputado estadual João Pedro de Andrade Figueira (DEM), ex-secretário de Governo de Cesar. João Pedro confirmou ter enviado um e-mail a Cabral sobre o camelódromo, mas no qual não teria mencionado a máfia:

- Sugeri que aproveitasse o incêndio para repensar a concepção do camelódromo, instalado num terreno do estado. Criado para concentrar o comércio popular do Centro, ele hoje está desvirtuado, com a venda de mercadorias ilegais - disse ele.

A assessoria de Cabral afirmou que o governador não comentaria o assunto, alegando que isso caberia à Secretaria de Segurança Pública.

Ao saber das denúncias do prefeito, a presidente da Associação dos Comerciantes da Rua Uruguaiana, Rosalice Rodrigues Almeida, assegurou que, há muitos anos, a máfia chinesa deixou de atuar no camelódromo.

- Nossa segurança é contratada pela associação. São 24 pessoas, divididas em três turnos - afirmou.

"Estou voltando para a pirataria"

Sem se identificar, duas camelôs, que perderam tudo no incêndio, disseram que os ambulantes preferem comprar produtos de fornecedores ligados à máfia árabe. Contrabandeadas principalmente do Japão e de Taiwan, essas mercadorias entram no Paraguai e, de lá, seguem para o Rio.

- Os produtos das máfias chinesas são de pior qualidade e mais caros. Eles são revendidos em caixas, no atacado, por lojas que funcionam no Beco do Tesouro, atrás da Praça Tiradentes. Mas não temos interesse - disse uma delas.

Em meio à polêmica, os boxes que não foram atingidos pelo fogo funcionaram ontem. Alguns camelôs que perderam suas mercadorias instalaram tendas, onde vendiam CDs e DVDs piratas, sem fiscalização.

- Estou voltando para a pirataria para tentar recuperar um pouco do que perdi - afirmou um camelô.

Além disso, mercadorias importadas eram vendidas por preços convidativos. Um cartão digital da Kingston, para máquina fotográfica, que custa entre R$100 e R$120, era encontrado a R$75. Rosalice acredita que, em 20 dias, a área destruída voltará a funcionar, precariamente. Só para refazer o telhado e a fiação, ela estima um gasto de R$150 mil.