Título: Desigualdade brasileira
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 22/11/2007, Ciência, p. 38

Epidemia de Aids continua a crescer nos estados mais pobres do país.

Omapa da epidemia da Aids segue a trilha das desigualdades regionais brasileiras. Boletim divulgado ontem pelo Ministério da Saúde mostra que a contaminação pelo vírus HIV continua a cair no balanço nacional, mas cresce com velocidade nos estados mais pobres do país. A região Norte apresenta a maior alta nas notificações. O número decolou de 1.459 em 2002 para 2.037 no ano passado ¿ um aumento de 39,6%. No Nordeste, a quantidade de pessoas infectadas subiu 13% no período, de 4.590 para 5.189 casos. Já no Sudeste, onde o acesso à informação e aos preservativos é maior, o governo registrou queda de 25% na epidemia durante os mesmos quatro anos.

O levantamento também mostra que as chances de sobrevivência com a doença também são menores nas regiões mais pobres do país. Do grupo de pacientes que tiveram o vírus diagnosticado no ano 2000, 90% dos habitantes do Sudeste continuam vivos, contra 78% na região Norte.

¿ Nosso desafio é reforçar a qualidade da assistência no SUS e ampliar o diagnóstico precoce da infecção pelo HIV, seja nos exames de rotina na rede pública ou no uso do teste rápido ¿ disse a diretora do Programa Nacional de DST e Aids, Mariângela Simão.

Mais atenção para favelas e Amazônia

Na avaliação do coordenador do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids no país, Pedro Chequer, os dados mostram que é preciso investir mais para levar os programas de prevenção aos estados com menores índices de renda.

¿ Ainda temos muito a caminhar nas regiões mais pobres do país. O governo precisa ampliar as parcerias com grupos de sem-terra e comunidades ribeirinhas na Amazônia. Nas grandes cidades também é preciso investir mais em programas com as associações de moradores de favelas ¿ diz Chequer, que elogia a adoção do teste rápido de HIV no Norte.

Estabilizada entre os homossexuais e em queda entre os usuários de drogas injetáveis, a Aids continua a se alastrar entre os homens que declaram só fazer sexo com mulheres. Em 1996, esse grupo respondia por 25,6% dos casos registrados. No ano passado, o percentual foi de 42,6%. Para o coordenador do programa da ONU, isso demonstra que não é mais possível falar em grupos de risco, como nos primeiros anos da doença.

¿ Está comprovado que o que existe é o comportamento de risco, ou seja, a prática do sexo sem uso de preservativos ¿ diz Chequer.

A exceção nessa tendência é o grupo de gays entre os 13 e os 24 anos, em que foi registrado um pequeno aumento nas notificações. A ONU atribui a alta ao fato de os homossexuais mais jovens não terem vivenciado o impacto causado pelo início da epidemia da Aids no país, na década de 80.

¿ É um problema de conscientização, porque as pessoas mais velhas já mudaram de comportamento ¿ explica Chequer.

A queda da contaminação entre os usuários de drogas injetáveis deve-se a dois fenômenos: a política de redução de danos, que reduziu o compartilhamento de seringas, e a troca dessas drogas pelo crack e por substâncias sintéticas, como o ecstasy.

A melhor notícia do relatório foi a queda dos registros de contaminação entre crianças com menos de 5 anos. Em 2002, foram identificados 1.094 casos. No balanço de 2005, a soma caiu para 700 ¿ a comparação não pode ser feita com o ano passado porque muitas crianças demoram a ser diagnosticadas. A melhora é fruto dos programas de acompanhamento da gravidez das mulheres portadoras do HIV.

O Ministério da Saúde informou que a medição da epidemia por critérios de cor e raça ainda é precária, já que o dado é ignorado em 27% dos casos. No entanto, a diretora do Programa Nacional de DST e Aids disse que o levantamento aponta redução proporcional dos casos entre brancos e aumento das notificações entre negros e pardos de ambos os sexos.