Título: Valerioduto tucano chega ao STF e derruba ministro de Lula
Autor: Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 23/11/2007, O País, p. 3

OS 15 DO ESQUEMA MINEIRO

Mares Guia e o senador tucano Eduardo Azeredo, além de outros 13, são denunciados ao Supremo

Oprocurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, denunciou ontem o ministro de Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia, o senador do PSDB Eduardo Azeredo (MG), o publicitário Marcos Valério de Souza - o mesmo operador do mensalão do PT - e mais 12 políticos, empresários e servidores públicos por envolvimento no valerioduto tucano em Minas Gerais. O grupo, supostamente chefiado por Azeredo e Mares Guia, é acusado de desviar pelo menos R$3,5 milhões de recursos públicos para financiar a campanha do tucano ao governo de Minas Gerais em 1998. Horas depois de a denúncia ser tornada pública, Mares Guia, principal articulador político do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pediu demissão. O ministro entregou carta ao presidente na qual se declara inocente e diz que deixa o cargo para se dedicar exclusivamente à sua defesa.

Marcos Valério, um donos da agência de publicidade SMP&B, é apontado como o principal operador do esquema de desvio de recursos montado em Minas, como mostrou reportagem do GLOBO em 2005. Ele é acusado de, anos depois, usar o mesmo esquema para operar o mensalão do PT no governo Lula. Entre os acusados está também o presidente da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), Clésio Andrade. Clésio foi candidato a vice-governador na chapa de Azeredo, que acabou derrotada, e depois elegeu-se vice-governador de Minas na primeira gestão do governador Aécio Neves (PSDB).

Mares Guia, Azeredo, Clésio, Marcos Valério e os demais acusados foram denunciados pelos crimes de peculato e lavagem de dinheiro. Os dois crimes podem ser punidos com até 22 anos de prisão. O grupo só escapou do indiciamento por formação de quadrilha porque, segundo o procurador-geral, o crime está prescrito. A denúncia, de 89 páginas, foi apresentada ao STF na quarta-feira, depois de dois anos de investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal.

"É meu dever", diz Antonio Fernando

Em entrevista na porta da Procuradoria da República no Distrito Federal, no fim da tarde de ontem, Antonio Fernando ratificou o conteúdo da denúncia, e disse que não tem dúvidas sobre o envolvimento de Walfrido dos Mares Guia no "criminoso financiamento da campanha eleitoral" de Azeredo e Clésio Andrade. O procurador disse também que não se sente constrangido em fazer uma acusação criminal contra um ministro do governo que o indicou para chefiar o Ministério Público Federal.

- A imputação ao ministro (Walfrido) é de ter participado, em co-autoria, dos atos que direcionaram o desvio de dinheiro. O problema não é meu. Eu faço denúncias sobre fatos que ocorreram no passado. É um dever meu. As conseqüências são da lei e do interesse de cada um - disse Antonio Fernando.

Na denúncia, o procurador explicita o papel de Mares Guia, à época vice-governador de Minas, na movimentação do suposto caixa dois da campanha de Azeredo e Clésio Andrade. "Foi ele (Mares Guia), por exemplo, quem formulou, ainda no início da campanha, o esboço contendo a estimativa de recursos que o processo eleitoral necessitaria. Recursos esses, diga-se de passagem, que foram supridos pelo esquema criminoso oferecido e executado por Clésio Andrade, Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach". Paz e Hollerbach eram sócios de Marcos Valério e Clésio Andrade na SMP&B.

Acima de Mares Guia no esquema estaria apenas o ex-governador Eduardo Azeredo, candidato à reeleição. Segundo Antonio Fernando, Azeredo "foi o principal beneficiário do esquema implementado. Embora negue ter participado dos fatos, as provas colhidas, como se verá ao longo da denúncia, desmentem sua versão defensiva". No documento, entregue ao STF, Antonio Fernando sustenta que pelos menos R$200 mil do dinheiro desviado do governo de Minas foram depositados numa conta da campanha em nome de Eduardo Azeredo.

O dinheiro teria chegado à conta do senador numa operação entre ele, Clésio Andrade e a Carbo, uma das empresas que teriam sido usadas para camuflar a origem dos recursos. "Clésio Andrade, por meio da Carbo, além de receber recursos do esquema, repassou, no dia 21 de outubro de 1998, R$200 mil para a conta bancária de campanha eleitoral, em nome de Eduardo Azeredo", acusa o procurador. O restante dos recursos, segundo a denúncia, teria sido usado para pagar despesas de campanha e bancar gastos pessoais de outros integrantes do esquema.

Segundo o procurador, pelo menos R$3,5 milhões de recursos públicos abasteceram a campanha de Azeredo, a partir de uma simulação de patrocínio ao Enduro da Independência, tradicional competição de motocross no interior de Minas. O governo de Minas, por intermédio da Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais), da Comig (Companhia Mineradora de Minas Gerais) e do Bemge (Banco do Estado de Minas Gerais), repassou o dinheiro para SMP&B, agência de Marcos Valério, a título de patrocínio da competição de enduro.

A partir daí, a SMP&B e a DNA, outra empresa de Valério, tomaram empréstimos no Banco Rural e outras instituições financeiras para bancar despesas da campanha de Azeredo. Os empréstimos, lastreados no contrato de patrocínio do governo de Minas com a SMP&B, teriam como objetivo camuflar a verdadeira origem do dinheiro. Para o procurador-geral da República, o esquema era o mesmo do mensalão, que resultou na denúncia contra o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e mais 39 supostos envolvidos no caixa dois do PT.

"Os elementos de convicção angariados ao longo da investigação revelam que, realmente, o esquema delituoso verificado no ano de 1998 foi a origem e o laboratório dos fatos descritos na denúncia já oferecida no inquérito número 2245 (inquérito do mensalão)", diz a denúncia.

O valerioduto tucano só veio a público porque Cláudio Mourão, um dos coordenadores financeiros da campanha de Azeredo, decidiu denunciar os crimes. Em depoimento à PF, Mourão disse que o caixa dois de Azeredo era de R$100 milhões, muito acima dos R$9 milhões declarados oficialmente pelo ex-governador a Justiça Eleitoral.

Pimentel diz que vai manter petista

Segundo Antonio Fernando, caberá ao Ministério Público de Minas Gerais, se achar necessário, aprofundar as investigações sobre este aspecto da denúncia.

Numa decisão oposta à de Mares Guia, que deixou o governo federal após ter sido denunciado, o prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel (PT), afirmou em nota, ontem, que vai manter no cargo o secretário municipal de Finanças, José Afonso Bicalho Beltrão, também denunciado no caso. Segundo Pimentel, Beltrão "é um profissional de reconhecida experiência e competência" e "continua a merecer a confiança da administração municipal".

"O fato de ter sido incluído em denúncia do procurador-geral da República ao Supremo Tribunal Federal não comprova qualquer envolvimento em ato ilícito e muito menos constitui sentença condenatória", diz a nota assinada pelo prefeito petista.