Título: Pesos e medidas
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 23/11/2007, O País, p. 4

O momento foi péssimo tanto para o governo quanto para o PSDB. Em meio a uma batalha no Senado para aprovar a prorrogação da CPMF, o governo perde em Mares Guia o primeiro articulador político não petista que estava sendo eficiente para resolver as pendências da base parlamentar, mesmo que essas pendências não sejam as mais republicanas de que se tem notícia. Já os tucanos abriram a convenção nacional que se propõe a renovar a imagem do partido tendo que prestar contas dos ilícitos eleitorais cometidos por um ex-presidente da legenda, o atual senador Eduardo Azeredo, o que é no mínimo desagradável para quem pretende se destacar do adversário mais visível, o PT, também pela atuação ética.

A distinção entre os dois momentos, o mensalão propriamente dito e o chamado "mensalão mineiro", assim batizado pelos governistas para estabelecer a paridade entre os dois casos, fica difícil de passar para a opinião pública, embora sejam duas ações políticas distintas entre si.

O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, não quis deixar clara a diferença na denúncia oficial, pois não indiciou ninguém do valerioduto mineiro por crime eleitoral, o que caracterizaria o chamado caixa dois, que é na verdade do que se trata o caso dos tucanos.

Ao denunciar Eduardo Azeredo, Walfrido dos Mares Guia e outros por peculato e lavagem de dinheiro, pelo desvio de pelo menos R$3,5 milhões dos cofres públicos do Estado de Minas Gerais para a campanha de reeleição, o procurador não facilitou a vida dos tucanos, e nem era esse seu trabalho.

Ao explicitar que o caso mineiro é a origem "dos fatos descritos na denúncia oferecida no inquérito nº 2.245", que trata do mensalão do governo federal, anos mais tarde, a denúncia contra a campanha eleitoral dos tucanos de 1998 mistura mais ainda os dois casos, tornando politicamente mais difícil separar os crimes cometidos nas duas ocasiões.

Quando, para tentar desculpar seus companheiros denunciados pela prática do mensalão, o presidente Lula saiu-se com a explicação de que o que o PT fizera fora o que sempre se fez na política brasileira, isto é, usar dinheiro "não contabilizado" para financiar campanhas eleitorais, ele estava tentando, tudo indica instruído pelo então ministro da Justiça, o criminalista Márcio Thomaz Bastos, passar para a legislação eleitoral os crimes cometidos.

É o mesmo argumento que usa hoje o PSDB, e, mesmo sendo verdade, em termos políticos a diferença dependerá do discernimento e de critérios morais de cada um, que são, como constatamos nos últimos episódios, muito fluidos.

O próprio procurador Antonio Fernando de Souza, em entrevista, admitiu que, embora "o procedimento do desvio e repasse de dinheiro" seja o mesmo, "os fatos não são exatamente iguais. Os objetivos são diferentes".

Os indícios de uso de dinheiro público "são tão claros quanto no outro mensalão", diz ele, com a ressalva, fundamental politicamente para o PSDB, mas indiferente para a Justiça, de que no caso atual "há somente desvio de recurso público utilizado exclusivamente em campanha".

Na primeira denúncia, o procurador deixou claro, e esse entendimento foi acolhido pelo Supremo Tribunal Federal, que o esquema de corrupção de políticos de PP, PL, PTB e PMDB não poderia ter sido montado e executado sem a orientação do então chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, José Dirceu, que foi identificado na denúncia do Ministério Público como "chefe da quadrilha" montada dentro do Palácio do Planalto.

A aceitação das denúncias contra todos os parlamentares que receberam a dinheirama distribuída através do esquema montado pelo lobista Marcos Valério foi a confirmação, pelo STF, de que houve sim o mensalão, e todos responderão criminalmente por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato, acusados de terem participado de um esquema criminoso de distribuição de dinheiro público e privado para compra de apoio político ao primeiro governo Lula.

É por isso que Antonio Fernando de Souza admite que "os objetivos são diferentes" nos dois casos. O perigo para a democracia de um esquema palaciano ser montado para comprar o apoio de parlamentares não está em questão nesse processo, e sim os crimes cometidos. Mas, politicamente, é importante que se faça a distinção entre as duas situações, que ameaçam a democracia em gradações diferentes.

O uso do caixa 2 estabelece o poder econômico como diferencial em uma campanha eleitoral, e foi isso o que aconteceu, por exemplo, no caso do pagamento do publicitário Duda Mendonça, responsável pela campanha milionária e eficiente que ajudou a criar o personagem "Lulinha Paz e Amor" que foi eleito em 2006.

Mendonça admitiu, na CPI do mensalão, que recebeu dinheiro em um paraíso fiscal, envolvendo diretamente o próprio presidente Lula no escândalo. Seu depoimento poderia ter gerado um processo de impedimento do presidente da República, e foi o auge da crise política que envolveu todo o governo em 2005.

O presidente Lula livrou-se de acusações alegando desconhecimento de todas as ilicitudes cometidas em sua campanha, tese que acabou sendo amplamente aceita pela sociedade, não importando que seja inverossímil.

O ex-governador Eduardo Azeredo também alega desconhecimento de todas as irregularidades que porventura tenham sido cometidas em sua campanha eleitoral, o que em tese o igualaria ao presidente Lula.

No entanto, o procurador-geral da República o denunciou, e não fez o mesmo com o presidente. Mas a argumentação de desconhecimento, se não é aceita pela oposição em relação a Lula, também não deveria servir de álibi para o tucano.