Título: Pacto brasileiro em Bali
Autor: Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 23/11/2007, Ciência, p. 40

País quer computar queda de desmatamento na meta de redução de gases-estufa.

OBrasil deverá propor na 13ª Conferência das Partes da Convenção sobre Mudança do Clima, em Bali, marcada para o próximo mês, que a queda dos níveis de desmatamento das florestas brasileiras passe a ser computada na meta interna de redução das emissões de gases de efeito estufa a ser estabelecida pelo governo brasileiro.

O governo deve anunciar também que pretende proibir o cultivo de cana-de-açúcar na região amazônica, no Pantanal e em outras áreas a serem definidas como prioritárias em termos de meio ambiente como uma das formas de coibir o desmatamento. Essa regra entraria em vigor a partir de 2008.

As medidas ¿ que deverão ser apresentadas como parte de um pacote global que começará a ser negociado em Bali, para entrar em vigor após 2012 ¿ seriam um contra-ataque às pressões que crescem a cada dia, por conta da expansão da cultura de cana-de-açúcar na região amazônica, voltada para a produção de etanol. As autoridades brasileiras pretendem argumentar ainda que o índice de desmatamento na Amazônia caiu 50% de 2004 a 2006

Brasil não aceitará metas externas

No pacote que ainda está sendo fechado em sigilo pelo governo, o Brasil será taxativo no sentido de exigir o estabelecimento de índices mais ambiciosos de redução de emissões a serem cumpridos pelas nações desenvolvidas a partir de 2012 ¿ quando vencem as metas estabelecidas no Acordo de Kioto. Os negociadores brasileiros não admitirão metas para os países em desenvolvimento, mas vão sugerir que essas nações se comprometam a desenvolver políticas públicas que possam minimizar os níveis de poluição e aquecimento global.

Segundo fontes que estão trabalhando diretamente no tema, a idéia é que, em Bali, seja iniciada a negociação de um pacote pós-2012. Mas as conversas só seriam concluídas em 2009, em Copenhague, na Dinamarca. Essa alternativa, proposta pelo Brasil ¿ e aprovada pela comunidade internacional em recente reunião na Indonésia ¿, tem sido chamada informalmente de ¿Bali road map¿ (ou mapa do caminho). Assim, seriam criadas condições para um amplo acordo, sem com isso alterar a legislação já existente, com destaque para o Protocolo de Kioto e a Convenção da China.

A posição do Brasil e outros países em desenvolvimento é de que a conta do passado deve ser paga pelas nações industrializadas. O aumento da temperatura, explicou essa fonte, é resultado de 150 anos de emissões. E quem emitia no passado eram as nações desenvolvidas do presente. Usando dados de instituições privadas, esse técnico disse que as emissões do Brasil em 2004 são equivalentes às da Inglaterra em 1888.

¿ A conta não é nossa ¿ disse.

A comunidade internacional tem argumentado, no entanto, que vários países em desenvolvimento se encontram hoje entre os maiores emissores ¿ caso não apenas do Brasil, mas também da Índia e da China ¿ e que, por isso, deveriam também ter metas de redução.

Governo cria comitê para tratar do tema

Um ponto a favor do Brasil, segundo os técnicos envolvidos, consiste na criação, na última quarta-feira, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Comitê Interministerial de Mudanças Climáticas. Formado por 16 ministérios e pelo Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, o comitê será responsável pela coordenação das iniciativas do governo nessa área.

A equipe vai elaborar um projeto de lei criando um Plano Nacional apoiado em quatro eixos: mitigação; adaptação aos efeitos da mudança do clima; pesquisa e desenvolvimento; e capacitação e divulgação. Tudo para permitir ao país reduzir mais rapidamente suas emissões de gases de carbono.

Além da intensificação do combate ao desmatamento ¿ de 2004 a 2006, o Brasil evitou a emissão de cerca de 500 milhões de toneladas de carbono na atmosfera ¿ e da redução das queimadas, o plano ambiental, a ser desenvolvido em parceria com o setor privado, prevê medidas como a vinculação obrigatória da aferição dos níveis de emissões veiculares ao licenciamento anual dos automóveis (estabelecida no Código de Trânsito Brasileiro, mas realizada apenas no Rio), a expansão do uso de combustíveis renováveis, como o biodiesel e o etanol, e o fomento à expansão de transportes pouco explorados no país, como o hidroviário e o ferroviário.

Essa iniciativa foi largamente abordada pelo presidente Lula em setembro último, durante a Assembléia Geral das Nações Unidas, em Nova York. A estratégia do governo brasileiro é mostrar que o Brasil está caminhando a passos mais largos do que outros países, apesar de ser acusado de desmatar a Floresta Amazônica. Nesse novo discurso, as autoridades brasileiras procuram convencer a comunidade internacional de que o Brasil é mais uma vítima do aquecimento global, e não um vilão.