Título: Temos a cultura da corrupção
Autor: Farah, Tatiana
Fonte: O Globo, 24/11/2007, O País, p. 23

Para o professor Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos, uma das medidas que poderia começar a dar um fim na mordomias seria um dirigente, um chefe de governo, dar um murro na mesa e falar: "Vamos ter que mudar isso".

Adauri Antunes Barbosa

Como se poderia acabar com as mordomias no Brasil?

VILLA: Medidas simples têm efeitos educativos enormes. Uma delas é cortar 90% das nomeações diretas e gratificadas. Como o governo vai negociar com o PMDB, com o PR? Como vai negociar com o Renan Calheiros, com a base governamental, se não tem mais aquilo tudo para nomear? Na gestão Fernando Henrique, havia o mesmo problema. E vai ter em 2011. O presidente é chantageado pelo Congresso Nacional.

A situação das mordomias piorou ao longo dos anos?

VILLA. Inacreditável como as coisas pioraram. E parece que não causam mais escândalo. Em 1975, quando foram publicadas reportagens denunciando mordomias, criou-se um escândalo e a expressão mordomia se consagrou. Hoje é natural.

Como o eleitor pode reagir a isso?

VILLA. O eleitor fica refém. O primeiro sentimento é de indignação e o segundo é falar "fazer o quê?" Mas ele tem muito pouco o que fazer. A estrutura existente no Congresso Nacional, também com cargos de nomeação, é enorme. Como então o Legislativo vai controlar o Executivo se também ele tem de realizar um corte sensível na própria carne para poder ter autoridade moral?

Há casos de mordomias também no Judiciário...

VILLA. Infelizmente, o Judiciário, que deveria dar o exemplo, não dá. Além de ser lento nas decisões, classista, antidemocrático, também acaba maculando com esses atos lesivos ao Tesouro. Isso afeta os três Poderes.

Falta o que para por um fim às mordomias?

VILLA. Falta a nós aquele momento em que o dirigente, o chefe de Estado, o chefe de governo, dá um murro na mesa e fala "Olha, não é possível, vamos ter que mudar isso". Dá o grito: "Chega!, a partir de agora acabou". Os grandes países, nos momentos cruciais de sua história, fizeram isso.

Os dirigentes políticos brasileiros não têm coragem?

VILLA. Temos um problema nos líderes da elite política brasileira, de ter essa coragem cívico-política, de dizer que é o momento do basta. E, com base nas instituições democráticas, nas leis, na Constituição, com o apoio popular, fazer essas mudanças, que não são muitas.

Por que as coisas não acontecem?

VILLA. O desespero da gente é ver essa questão da imobilidade. Temos uma espécie de cultura política da corrupção, de indicar os amigos, esse "familismo". Essa cultura da "parentela" é uma espécie de fim do mundo: primeiro salvo os meus, para depois pensar em salvar a nação.

Que conseqüências pode ter esse imobilismo?

VILLA. A conseqüência é que pode levar a soluções autoritárias. Muitas vezes o autoritarismo seduz com um discurso de que em um regime autoritário isso não ocorre, o que não é verdade. Mas acaba seduzindo. Era comum você ouvir na rua na época do mensalão: "Na época dos militares não tinha isso, não", o que, sabemos, não é verdade. É que no Brasil a desmoralização do autoritarismo é tão grande que não há perigo algum que isso possa ocorrer. Mas é terrível para o país porque você não consolida as instituições democráticas. Isso é uma tragédia.

O eleitor tem saída?

VILLA. Não. Deixar de votar ele não vai. Ele quer escolher, tem esse direito. Afinal, lutamos anos pelo direito de escolher livremente nossos representantes. Infelizmente estamos em uma embrulhada. A curto prazo não vejo saída, não.