Título: Calote derruba a Caixa
Autor: Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 24/11/2007, Economia, p. 45

Lucro do banco no 3º trimestre desaba 89%, como conseqüência da expansão do crédito.

Areserva de recursos para cobrir o calote, sobretudo de pequenos e microempresários, derrubou o lucro da Caixa Econômica Federal no terceiro trimestre. A centenária instituição estatal, na contramão dos bancos privados, registrou recuo de 89,4% no seu lucro líquido, de R$590 milhões para R$62,5 milhões, na comparação ao mesmo período de 2006. Corrigindo os estragos da política de concessão desenfreada de financiamentos, iniciada em 2005 na carona da expansão do crédito na economia, a diretoria fez uma provisão (reconheceu como prejuízo) de R$545 milhões entre julho e setembro para fazer frente aos empréstimos não honrados pelos tomadores, uma alta de 218,7%.

Também contribuíram para o resultado trimestral - devido a provisões - os custos da recente capitalização do banco (R$132 milhões), o reajuste salarial concedido a funcionários acima do previsto (R$145,5 milhões) e o impacto que podem ter no balanço as vitórias na Justiça de correntistas que pedem correção do saldo da poupança devido a expurgos de planos econômicos (R$250 milhões).

No ano, o lucro da Caixa também sofreu forte impacto do crédito podre. O resultado, de R$1,778 bilhão, representa queda de 8,1% em relação aos nove primeiros meses de 2006. Nesse período, foram provisionados, para fazer frente a calotes, R$5,011 bilhões (alta de 17,1%).

Especialistas vêem uso político do banco

Segundo o vice-presidente de Controle e Risco da Caixa, Marcos Vasconcelos, a instituição está colhendo os frutos da expansão desenfreada do crédito, centrada na pequena empresa, que tem acesso reduzido ao sistema financeiro. Ele explicou que o índice de inadimplência do segmento subiu de 5,3% em janeiro de 2006 para 8% em fevereiro deste ano. Diante das dificuldades de recebimento, a Caixa passou a contabilizar o prejuízo, reduzindo ganhos.

- Houve uma deterioração na carteira de pessoa jurídica, 90% de micros e pequenas empresas. A inadimplência subiu - afirmou Vasconcelos, admitindo que a Caixa vinha expandindo o crédito ao segmento sem estar preparada para isso. - Foi um crescimento muito veloz. Existia uma demanda, o segmento de pequenas empresas sempre teve dificuldade de acesso ao crédito. A Caixa entendeu que esse segmento precisava ser atendido, só que chegou um momento em que houve um estrangulamento. Faltou suporte.

Quando se considera o resultado de outros bancos, o desempenho da Caixa no terceiro trimestre foi o pior. Itaú e Santander também registraram recuo no período, mas bem abaixo dos 89,4% da Caixa. Nos nove primeiros meses do ano, só os lucros de Caixa e Banco do Brasil recuaram, sendo que este último enfrentou gastos com plano de demissão voluntária de sete mil funcionários.

Para especialistas do sistema financeiro, apesar da relevância dos problemas operacionais, outro ponto pode estar prejudicando a instituição. Preferindo não se identificar, alguns acreditam que a Caixa esteja sendo politicamente usada em demasia, no sentido de atender a um segmento para o qual o governo tem feito muitas promessas - que vão desde a facilidade de bancarização até a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, passando pelo estímulo aos consórcios, por exemplo.

- A queda foi uma combinação de fatores circunstanciais, como aumento da inadimplência, falha de sistema, uma demanda maior do que a oferta e a necessidade de ajustes na política de crédito - avaliou o ex-economista da Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban) Roberto Troster.

Para ele, se houve aumento da inadimplência é porque houve falha na avaliação de risco. O raciocínio é endossado pelo analista Carlos Coradi, da Coradi & Associados:

- Provavelmente, houve um erro muito grande de natureza estratégica.

Ganho no ano deve recuar para R$1,9 bi

O vice-presidente da Caixa reconhece o equívoco e diz que este levou a mudanças no comando da instituição em julho. Foram afastados os responsáveis pela área e extinta a vice-presidência de Crédito. No lugar desta, criaram-se três vice-presidências para especializar a gestão dos financiamentos e obter estratégias mais eficientes: uma para pessoa física, outra para pessoa jurídica e uma terceira para governos.

Vasconcelos mencionou ainda que as receitas da Caixa cresceram nos anos anteriores puxadas pela forte participação do banco no crédito consignado, de baixíssimo risco. Mas o banco começou a perder mercado porque outros concorrentes passaram a explorar essa modalidade de crédito. Por isso a estatal decidiu buscar novos clientes.

Apesar da inadimplência, as pessoas jurídicas continuam sendo foco da instituição. Entre setembro e outubro, essa categoria recebeu R$7,4 bilhões, a maior concessão já feita em um mês. Vasconcelos acredita que, com a nova estrutura, a questão do calote será equilibrada. Citou como exemplo a inadimplência, que fechou o terceiro trimestre a 6,4% e recuou em outubro para 5,3% - patamar de quase dois anos atrás. Ele, no entanto, minimizou o resultado pífio da instituição:

- A Caixa não busca uma maximização de lucros. Não está na corrida para que ver qual banco brasileiro atinge o maior lucro - afirmou, acrescentando que a instituição teve um retorno sobre o capital de 23,3% neste ano.

Vasconcelos admitiu ainda que a Caixa não repetirá o resultado de 2006, de R$2,3 bilhões: deverá fechar o ano em R$1,9 bilhão.