Título: Mercosul: impasse técnico com Chávez
Autor: Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 24/11/2007, Economia, p. 47

"Anunciaram ingresso da Venezuela antes da negociação comercial", diz Ricupero.

BRASÍLIA. O impasse no Congresso brasileiro em relação à entrada da Venezuela no Mercosul tende a ultrapassar o debate sobre a democracia no país comandado por Hugo Chávez. Especialistas ouvidos pelo GLOBO alertaram para uma questão de ordem técnica, que certamente será explorada pela oposição, quando o protocolo de adesão for para o Senado: o fato de os venezuelanos não terem apresentado um cronograma de liberalização do comércio com os quatro sócios do bloco - Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. O documento foi assinado em julho de 2006, em Caracas.

Para o diretor da Faculdade de Economia da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), Rubens Ricupero, o politizado debate que ocorre hoje está fora de rumo. Ex-ministro da Fazenda, Ricupero, que foi presidente do Conselho do Gatt (Acordo Geral de Tarifas) em 1990, lembrou que o Mercosul é união aduaneira, e, como tal, o país que quer entrar precisa pagar uma espécie de pedágio.

- Anunciaram o ingresso da Venezuela antes do início da negociação comercial. É algo difícil de compreender. A China, por exemplo, levou mais de dez anos para conseguir entrar na OMC (Organização Mundial do Comércio). Nunca vi caso parecido no mundo - afirmou o diplomata, que também foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad).

Apesar de não ser contrário à entrada da Venezuela no Mercosul, Ricupero avalia que o ingresso político do país está sendo privilegiado sobre a negociação do cronograma de liberalização, que chegou a ser adiada ao menos duas vezes, a pedido da Venezuela.

Itamaraty: país tem acordo de preferência tarifária

O diplomata acredita também que a cláusula democrática de Ushuaia, que expurga os países latino-americanos que ferirem os princípios democráticos, ajudará o Mercosul, caso a democracia venezuelana realmente seja afetada.

- Todos tratam a Venezuela como se fosse uma ditadura. É um exagero - afirmou.

Para José Botafogo Gonçalves, ex-negociador-chefe para assuntos do Mercosul, a questão do cronograma é importante, pois "o Mercosul é um acordo econômico-comercial". Já Sérgio Amaral, ex-embaixador do Brasil na França, destacou que o processo de adesão de um país ao Mercosul deve significar, entre outros fatores, a incorporação do acervo normativo do bloco.

- A Venezuela não diz quando nem como vai incorporar esse acervo, incluindo a Tarifa Externa Comum (TEC).

Na visão do Itamaraty, não há motivo para preocupação. Tanto que, afirmam diplomatas envolvidos na negociação, os congressos de Uruguai e Argentina já aprovaram o protocolo de adesão. Além disso, dizem, a Venezuela já tem um acordo de preferências tarifárias com os países do bloco.