Título: Para Lula, não existe solidão no poder
Autor: Fadul, Sergio; Fernandes, Diana
Fonte: O Globo, 25/11/2007, O País, p. 8

Presidente diz que não cometeu grandes erros e lamenta falta de tempo na vida pessoal.

O presidente Lula refuta a idéia de que há solidão no poder, mas se ressente de não ter vida pessoal em Brasília. Confessa que, se pudesse, passaria um dia no Planalto e sete viajando pelo Brasil. Foi um ato falho, mas Lula bem que gostaria de uma semana de oito dias, a julgar pelo pouco tempo que diz ter para a família. Na rotina no Planalto, normalmente de 9 da manhã às dez da noite, com almoço no Alvorada, Lula diz que não tem tempo para conversas amenas. Brincando, diz que dona Marisa cobra que ele cuide da agenda em casa. Isso quando está em Brasília. Lula fala em erros e acertos - considera que mais acertou do que errou. Perguntado se teria cometido um grande erro, responde:

- Não. Não.

O senhor sabe o nome de seus 37 ministros?

LULA: Até dos que já foram ministros.

Qual entra aqui sem bater na porta?

LULA: Não, ninguém entra sem bater na porta.

Já teve algum que entrou sem bater, metia a mão na maçaneta e entrava?

LULA: Nenhum.

Que ministros têm mais acesso ao gabinete?

LULA: Os da Casa. Fora os da Casa, o ministro da Fazenda, com quem despacho toda semana, às vezes mais de uma vez por semana, para saber como é que está acontecendo, por que tal setor não está indo bem. O Paulo Bernardo, para discutir o Orçamento, por que é que o Orçamento não está sendo executado. A ministra Dilma Rousseff, não só porque está aqui do lado. É que ela é a minha sombra na administração. É coordenadora do PAC, tem que prestar conta todo dia. O Dulci, porque cuida de políticas sociais. O Itamaraty, porque ando demais, sabe? E tem outros que têm rotina de uma reunião por mês.

Quem traz notícias boas e ruins?

LULA: Deixa eu falar uma coisa triste... Se pudesse escolher, eu ficaria um dia neste gabinete e sete viajando o Brasil. Sabe por quê? Ninguém traz notícia boa a este gabinete. Quando a notícia é boa, festejam sem precisar eu saber. Quando a notícia é ruim, quando as coisas não estão acontecendo, eles vêm pra cá. Sobretudo quando precisam de mais dinheiro. Todo mundo quer mais, as pessoas não se conformam com o que têm.

O senhor tem momentos de conversas amenas, brincadeiras, piadas?

LULA: Não, não tenho. Esse é um problema de agenda que tenho que resolver. Já estou velhinho, com 62 anos.

Onde encontra energia para ficar aqui das 9 da manhã às dez da noite?

LULA: Motivação, motivação. Sou um cara que estou feliz pelas coisas que estão acontecendo no Brasil. E triste pelas que não estão acontecendo. Mas quero fazer acontecer.

Está virando bordão, em programa humorístico e em propaganda, a expressão que o senhor usa muito, "nunca antes neste país". O que acha disso?

LULA: Sabe o que eu acho importante? Não é mais o governo que fala, são as pessoas que falam agora. No lançamento do programa de ciência e tecnologia, uma pessoa falou que é a primeira vez... Então, é a primeira vez que tratam os catadores de papel com respeito, a primeira vez que tratam os quilombolas com respeito. Quer saber de uma coisa? É a primeira vez que essas pessoas entraram no Palácio.

O senhor disse no discurso de vitória, em 2002, que jamais poderia errar. A pergunta é: qual o seu maior erro? Cometeu algum grande erro no governo?

LULA: Devo ter cometido erros, cometido acertos. Temos muito mais acertos do que erros.

Mas o senhor não se lembra de um grande erro, daquele que morde até hoje, que não podia ter feito...

LULA: Não, não. Até porque vou fazer meu julgamento quando terminar 2010. Eu vou fazer uma reflexão.

(Já de pé, Lula conversa informalmente com os jornalistas):

LULA: Não falamos de Sérgio Cabral.... Que diferença! Como mudou a relação do governo federal com o Rio! O Sérgio Cabral é incrível. Vocês percebem que ele não tem ranço? Está muito bem.

Já estão dizendo que ele pode ser uma opção do senhor para 2010...

LULA: Por enquanto, ele pode ser opção primeiro do PMDB...

E a vida em Brasília, sem filhos e netos, muito ruim?

LULA: Eu confesso que não tenho vida.

Solidão do poder não é bem o termo?

LULA: Não tenho solidão para tomar decisão. Mas, veja, levanto às 6h da manhã todo dia. Faço uma hora de ginástica todo dia, faço musculação. Chego aqui todo dia às 9h e não tem hora para sair. Pode ser 9, 10, 11, 11 e meia... Chego em casa, e aí dona Marisa, como todas as mulheres, diz que eu tenho que cuidar da minha "agenda". E eu não vou à casa de ninguém dia de sábado e domingo porque eu... Em Brasília às vezes tem muita futrica, e eu prefiro não... Eu nunca fui a um aniversário, nunca fui a um casamento, eu nunca fui a um jantar. De vez em quando eu convoco... eu convido um companheiro para ir em casa para conversar um pouco comigo, para jantar...

O senhor dizia na campanha que o segundo mandato seria mais fácil porque tinha aprendido os caminhos do poder. Está sendo mais fácil?

LULA: O medo que eu tinha do segundo mandato era da mesmice. Lembro que, no enterro do Octavio Frias, o Fernando Henrique Cardoso me falou: "Você vai ver depois do segundo ano, quando os ministros estiverem pensando nas suas candidaturas". Graças a Deus, sabe, é um desafio para mim... Todo dia tenho que me motivar para fazer o segundo mandato ser melhor que o primeiro. Todo dia. É uma profissão de fé que fiz. Todo dia eu me motivo. Graças a Deus essa quantidade de programas que lançamos são um oxigênio extraordinário para o presidente fazer um segundo mandato melhor que o primeiro.