Título: Conferência sem paz à vista
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 25/11/2007, O Mundo, p. 37

Bush reúne palestinos e isralenses em esforço de última hora e sem expectativas de acordo.

Ékern -0.33pt Esse é o enredo básico de mais uma reunião entre palestinos e israelenses em busca da paz, que será realizada terça-feira em Annapolis, capital de Maryland ¿ tendo mais uma vez (como acontece desde 1979) um presidente dos Estados Unidos como mediador.

A diferença, desta vez, é que o próprio anfitrião prefere definir-se como ¿facilitador¿ e não mediador ¿ um preciosismo politicamente correto para evitar a evidente conotação de que está tratando de apaziguar dois adversários, embora eles realmente o sejam há 60 anos. A cautela é tão grande que o Departamento de Estado ¿ que articulou o encontro ¿ também evita utilizar a palavra paz para definir a conferência.

Encontro sem paz sequer no nome

A reunião está sendo chamada simplesmente de Conferência de Annapolis, nome da cidade que fica a 80 quilômetros de Washington. Ela será realizada numa base naval. Mais um detalhe: os EUA se apressam a esclarecer, ainda, que não se trata de uma negociação e sim de criar uma ¿plataforma de lançamento¿.

¿ O sucesso dessa reunião seria realmente o lançamento de negociações entre israelenses e palestinos para o estabelecimento de um Estado palestino e, portanto, de uma solução que defina os contornos de dois países ¿ disse a secretária de Estado, Condoleezza Rice.

Há algo mais por trás disso: uma derradeira tentativa de Bush de encerrar seu mandato com algo positivo para exibir, e constar na História. Tanto é que ele próprio já disse esperar que tal iniciativa resulte num acordo de paz daqui a exatamente um ano ¿ às vésperas de sua despedida da Casa Branca.

¿ Apoio essa reunião, pois ela apresenta uma real oportunidade para o progresso. O problema é que o processo de paz precisa de um engajamento diário de alto nível do nosso governo, e até aqui ele tem demonstrado pouco interesse ou aptidão para isso ¿ disse o senador da oposição Joseph Biden, lembrando que desde 2003, quando tentou pela primeira vez promover a paz, Bush nada fez por tal processo.

Serão, na verdade, três dias de conversas. Amanhã Bush se reúne na Casa Branca com o primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert, e com o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas. No dia seguinte, israelenses e palestinos sentam-se frente a frente em Annapolis, durante todo o dia, rodeados por representantes de 41 países convidados pelos EUA ¿ entre eles o Brasil, o único da América Latina.

¿ Faz todo sentido convidar o Brasil, tanto por seu peso cada dia maior nos assuntos globais como pelo fato de que há mais árabes no Brasil do que nos territórios palestinos ¿ disse um diplomata americano.

Na quarta-feira Olmert e Abbas voltam à Casa Branca para um novo encontro com Bush ¿ quando os três anunciarão o início das negociações ou o fracasso da reunião de Annapolis. Com o propósito de dar um contexto mais amplo ao encontro, Bush convidou a Annapolis ministros de Relações Exteriores de todos os países árabes, dando ênfase especial à presença do representante da Arábia Saudita, que não reconhece Israel como país.

Arábia Saudita eleva perfil da reunião

Seria a primeira vez que isso aconteceria, e tal participação por si só daria um peso mais significativo ao encontro. Ela seria essencial para ajudar Abbas a rebater as acusações de extremistas, como o grupo Hamas, de que estaria fazendo concessões a Israel. E ao mesmo tempo seria importante para Olmert que, por seu lado, defende-se de ataques da direita israelense: serviria para ele demonstrar que um progresso com os palestinos resultaria em laços diplomáticos com os vizinhos árabes.

As perspectivas, no entanto, são pouco animadoras, a julgar por um detalhe essencial dos preparativos. Como em toda reunião do tipo, os envolvidos tentam chegar tendo em mãos um rascunho do documento final ¿ registrando pontos nos quais haveria entendimento e os que continuariam a ser negociados. No entanto, surgiu um impasse nos últimos dias. Isralenses e palestinos têm sido incapazes de chegar a um acordo sequer sobre como definir tal texto. Os palestinos querem classificá-lo como ¿documento¿. Os israelenses discordam: insistem que o papel seja definido como ¿declaração¿.