Título: Um Congresso em busca de legitimidade
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 25/11/2007, O Mundo, p. 38

Legislando quase sem oposição a Chávez, Assembléia Nacional da Venezuela é criticada por funcionar como ferramenta do presidente.

BUENOS AIRES. Para conveniência do governo e por incompetência da oposição, a Venezuela tem um congresso, a chamada Assembléia Nacional, que representa apenas os setores políticos aliados ao presidente Hugo Chávez. Dos 167 membros da Assembléia Nacional, apenas os oito integrantes do movimento Podemos se opuseram ao projeto de reforma constitucional enviado pelo Palácio Miraflores que, segundo recentes pesquisas divulgadas no país, é rechaçado por mais da metade da população.

A crise do Legislativo venezuelano começou após a eleição de dezembro de 2005, marcada pela ausência dos partidos opositores, que hoje admitem ter cometido um erro gravíssimo. Na época, os líderes antichavistas questionaram a falta de transparência e realizaram um histórico boicote eleitoral que deu ao governo o controle total do parlamento. Detalhe: a abstenção foi de quase 75%.

Governo conseguiu aprovar leis polêmicas

Assim, a Venezuela passou a ter um Congresso de legitimidade duvidosa, já que alguns congressistas foram eleitos com menos de 10 mil votos. O governo continuou aprofundando sua revolução bolivariana sem se preocupar com as críticas e a oposição perdeu espaço num poder que passou a ser fiel aliado do Executivo. Desde então, Chávez conseguiu, por exemplo, aprovar a polêmica Lei Habilitante, que permitiu ao presidente governar por decreto durante um período de 18 meses, e dar sinal verde ao também polêmico projeto de reforma constitucional. Aos opositores restou protestar na mídia e nas ruas.

¿ Nosso congresso serve apenas como fachada democrática, é um instrumento usado pelo presidente para fazer sua revolução. Tudo o que Chávez pede é aprovado ¿ disse ao GLOBO o analista político e professor da Universidade Simon Bolívar, José Vicente Carrasquero. Segundo ele, ¿o congressista mais votado do país obteve apenas 23% dos votos em seu distrito. Alguns deputados foram eleitos com sete mil votos¿.

¿ Uma das coisas que a oposição poderia fazer a partir do ano que vem é recolher assinaturas e convocar referendos para revogar o mandato de congressistas ilegítimos ¿ lembrou Carrasquero.

A visão de analistas mais próximos ao chavismo é bem menos crítica. Para Germán Campos, professor da Universidade Central da Venezuela, a Assembléia Nacional cumpre sua função e, ao contrário do que aconteceu no passado, representa setores sociais de todo o país.

¿ Não podemos negar que o Congresso facilita o trabalho do governo, mas aqui existe debate e estão presentes representantes de todos os setores sociais e econômicos como nunca antes ocorreu em nosso país ¿ enfatizou Campos.

Para o analista venezuelano, ¿o Congresso não é uma ferramenta de Chávez. Antes de aprovar o projeto de reforma constitucional, os líderes da oposição foram convidados para participar do debate, coisa que no passado não acontecia¿.

¿ Até mesmo os estudantes foram chamados. Eu fui estudante e na minha época as portas do Congresso estavam fechadas para nós ¿ argumentou Campos, que também destacou o fato de ¿a Assembléia Nacional ter feito modificações ao projeto de reforma do presidente¿.

Quase dois anos depois do boicote eleitoral de 2005, dirigentes da oposição se arrependem de ter perdido a oportunidade de equilibrar as forças políticas no congresso.

¿ Foi um erro, mas vamos voltar na eleição legislativa de 2010 ¿ declarou Timoteo Zambrano, do partido Um Novo Tempo, liderado pelo governador e ex-candidato à Presidência Manuel Rosales.

Os opositores do presidente também se preparam para disputar, no ano que vem, a eleição de prefeitos e governadores.

¿ Nosso congresso funciona como um apêndice do governo nacional e continuará sendo assim nos próximos anos, até que tenhamos a possibilidade de disputar uma nova eleição legislativa ¿ lamentou Zambrano.

O fim da aliança entre o Podemos e os partidos chavistas provocou uma pequena fissura na sólida maioria governista na Assembléia Nacional. Nos próximos três anos, Chávez continuará governando com um congresso incondicional. Caso o presidente consiga vencer o referendo sobre seu projeto de reforma constitucional, seu poder será ainda maior e sua revolução não terá limites.