Título: Poder na França tem nova cor e velhos desafios
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 25/11/2007, O Mundo, p. 39

Filhos de imigrantes que chegaram ao governo com Sarkozy têm como meta mudar a vida das periferias do país.

PARIS. Montfermeil, sexta-feira, 9 de novembro. Fadela Amara, a nova secretária de Estado para Política de Cidades desembarca nesta cidade de 26 mil habitantes a cerca de 15 quilômetros de Paris, que simboliza a pobreza escondida da França: aqui, o desemprego entre jovens bate recorde. Foram os jovens de Montfermeil e da cidade vizinha de Clichy-sous-Bois, na sua maioria filhos de imigrantes, que deslancharam a revolta de 2005 ¿ um movimento que se alastrou por toda França e que culminou com milhares de carros incendiados no país.

Amara, ela mesma filha da periferia e da imigração (seus pais são argelinos), conhece bem o terreno. Ela era uma desconhecida na França até que em 2003 lançou-se com um bando de mulheres nas ruas com cartazes com os dizeres ¿Nem putas, nem submissas¿, nome da organização que terminou criando. Ela ganhou rapidamente a atenção da mídia, batendo forte contra o uso do véu islâmico e contra práticas religiosas de alguns filhos de imigrantes, que, segundo ela, relegavam a mulher a segundo plano.

Hoje, ela é parte do novo rosto da França no poder, uma das três francesas filhas de imigrantes que o presidente Nicolas Sarkozy escolheu para integrar sua equipe. As outras duas são a poderosa ministra da Justiça, Rachida Dati, filha de marroquinos, e Rama Yade, uma senegalesa naturalizada francesa, atual secretária de Estado para Direitos Humano. Com estas nomeações, o governo de direita de Nicolas Sarkozy se gaba de ter feito o que nenhum governo de esquerda fez: reconhecer a diversidade da França.

Responsável por plano do governo para periferias

Os críticos vêem isso como populismo barato. E dizem que Sarkozy está usando a mesma estratégia que usou quando decidiu nomear políticos de esquerda, como o ministro das Relações Exteriores, Bernard Kouchner, para integrar seu governo. Populismo ou não, o fato é que a cor no poder da França mudou.

Na última sexta-feira 9 de novembro Amara desembarcou na periferia com sua nova camisa: a do governo. E tendo à frente um trabalho particularmente espinhoso: é ela quem vai preparar o plano para as periferias pobres da França que o presidente Nicolas Sarkozy planeja anunciar em janeiro. Sua cor beurre (marrom) ¿ como os franceses chamam os imigrantes da região do norte da África ¿ e o passado pobre (ela é filha de operários) não a pouparam. Pelo contrário:

¿- O que a senhora está fazendo aqui com câmeras de televisão ? Tá aqui para fazer política diante da câmera ou para nos ajudar? ¿ interpelou Ahmad Ly.

Ly é um revoltado. Ele fundou a associação Au-delà des mots (além das palavras), em memória de Zyed e Bouna, dois adolescentes que morreram eletrocutados quando fugiam da perseguição da polícia na periferia há dois anos. A morte dos meninos foi a gota d¿água que fez deslanchar a revolta na periferia de 2005. De lá para cá, Ly ouviu muito discurso dos políticos, mas não viu nada mudar na periferia.

¿- Não temos elevador há nove meses ¿ queixou-se um outro morador a Fadela Amara, num prédio que caía aos pedaços.

Cada promessa de Amara era retrucada com um ¿Já ouvimos isso, madame¿.

¿ A senhora não é bem-vinda! ¿ irritou-se Ly.

A secretária de Estado respondeu no mesmo tom:

¿ Escute: com ou sem vocês, eu vou fazer um plano Marshall (para a periferia)! .

Apartamento do governo continua desocupado

A nova camisa de Amara ¿ o poder ¿ parece apertada para ela. Depois que entrou para o governo, a ex-militante de rua tem que sair com seguranças e carro oficial. No meio dos militantes, as reações à sua nomeação foram opostas. Enquanto o presidente da ONG SOS-Racisme, Dominique Sopo, saudou sua chegada como uma ¿boa coisa¿ para a diversidade no poder, ela foi atacada por algumas associações nas periferias. Para alguns, ela é uma heroína feminista. Para outros, ela estigmatizou a periferia com suas denúncias contra violência contra mulheres e contra sexismo dos jovens ¿ quase todos imigrantes.

Mas Amara ¿ que fala a língua da periferia e chocou alguns nas reuniões de governo quando utilizou palavras como chiant (algo como sacal), ¿ dispensa rodeios e não esconde que não votou em Nicolas Sarkozy. O super apartamento do governo no último andar do ministério continua vazio: ela continua vivendo num HLM (condomínio de apartamentos para pessoas de baixo poder aquisitivo) no 13ème arrondissement. Usou o apartamento do governo para ver os fogos de artifício de 14 de julho com os amigos da Ong Nem putas nem submissas.

¿ Ela pega o metrô nos fins de semana e se veste na Zara e na Mango (lojas mais populares) Ela é como tudo mundo! ¿ diz Fany Auverny, uma de suas assessoras.

Amara estará percorrendo as periferias da França até o final do ano, e o projeto que ela e Nicolas Sarkozy vão apresentar em janeiro será mais um grande teste para o presidente: os jovens da periferia não gostam dele.