Título: As três fases do discurso de Lula
Autor: Simão, Edna
Fonte: Correio Braziliense, 18/04/2009, Economia, p. 18

Presidente sempre manteve o otimismo, mas exagerou quando passou a ideia de uma crise frágil. Depois, admitiu a seriedade do problema. Agora transmite a noção de que o fundo do poço ficou para trás.

Mesmo diante da maior crise mundial já vista nos últimos 80 anos, o presidente Lula segue com o discurso tranquilizador e otimista focado, principalmente, nos brasileiros que, em seu governo, ganharam capacidade de consumo com os programas de transferência de renda como Bolsa Família ou ainda devido à melhora do salário mínimo. É com esse apoio que o presidente pretende eleger sua predileta para o cargo: a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Se a economia realmente tiver ensaiado uma retomada, como diz o ministro da Fazenda, Guido Mantega, Lula não vai precisar alterar em nada sua estratégia.

Desde a quebra, em 15 de setembro do ano passado, do banco de investimentos americano Lehman Brothers, a crise econômica se alastrou, puxando muitas das economias para o fundo do poço. Mesmo com o cenário nebuloso com a eclosão de forte turbulência, Lula, neste primeiro momento, fez questão de mostrar que o país estava blindado. Menosprezando os efeitos sob o Brasil, chegou até a comparar a maior crise desde 1929 com uma ¿marola¿.

Na ocasião, foi criticado. ¿O presidente Lula é um homem de enorme sensibilidade política, o que foi surpresa para os correligionários e para a oposição. Tem a capacidade de entender a alma e o espírito das massas, dos desassistidos, que estavam à margem do desenvolvimento e fora do mercado consumidor. O presidente fala para esse público¿, ponderou o professor de ciência política da UFRJ e UERJ Antonio Celso Alves Pereira. ¿Ele não está falando com os intelectuais, que têm sido hostis, mas com um grupo, o maior do país, que dará condições para manter elevados índices de popularidade¿, acrescentou. Lula se mantém com mais de 70% de aprovação em pesquisas nacionais.

Resgate Com o passar dos meses, o presidente Lula e sua equipe econômica colocaram o pé no chão. Começaram a falar da gravidade da crise. O desemprego surgiu. Sem nenhum pudor, Lula ignorou o discurso anterior e comparou o papel do governo diante da crise ao de um médico perante a um paciente. ¿Ou você diria ao paciente: `Sifu¿? Se você chega dizendo a gravidade da doença, acaba matando o paciente¿, disse o presidente no final do ano passado.

Mesmo contraditório, segundo Alves Pereira, Lula quer deixar claro que a crise que se alastrou pelo mundo é culpa de ¿gente branca de olhos azuis¿. ¿O presidente muda o discurso conforme o momento. Tudo para mostrar que se a economia está ruim é por causa dos brancos de olhos azuis. A culpa não é dele¿, diagnosticou o professor.

Recentemente, o presidente adotou a estratégia de dizer que o pior da crise já passou. ¿Às vezes chego a pensar que 50% do resultado da crise é um pouco de pânico que tomou conta da sociedade¿, comentou Lula nesta semana. Para o professor de ciências políticas da UnB, João Paulo Peixoto, Lula tem sido coerente ao passar ao tentar disseminar o otimismo, caminho que também está sendo trilhado pelo presidente norte-americano, Barack Obama. ¿Uma razão da crise é a perda de confiança, uma argamassa fundamental para toda a economia. É um dos maiores obstáculos. Lula captou isso, assim como Obama. Por isso, os discursos focam no resgate da confiança. Não está escondendo a verdade, está sublimando a dureza das coisas e vendendo otimismo¿, explicou Peixoto. O risco dessa estratégia é a imprevisibilidade da crise. ¿Parece que tudo passou, mas ninguém tem certeza¿, ressaltou o professor da UnB. Segundo ele, um cenário mais claro virá apenas no segundo semestre. ¿Se a crise se agravar e obrigar o governo a diminuir o Bolsa Família e não atender o funcionalismo público, Lula será obrigado a mudar essas falas otimistas. Eleger o sucessor em 2010 vai depender do desempenho da economia¿, complementou o professor.