Título: A nova SS
Autor: Rosenfield, Denis Lerrer
Fonte: O Globo, 26/11/2007, Opinião, p. 7

Deveriam causar estupefação, se não indignação, os apoios e elogios do presidente Lula, do PT e dos movimentos sociais ao Ditador Hugo Chávez. A forma demagógica dessa defesa se configura como sendo a da democracia, como se esse regime pudesse ser identificado ao da servidão socialista, cujos malfeitos desfiguraram completamente um pretenso discurso de salvação da Humanidade.

Um fato tem sido pouco apreciado na torrente de novidades, que jorram do projeto liberticida daquele país. A implantação de uma corrida armamentista tem um significado político, inserindo-se no projeto dito de "socialismo do século XXI". O uso de uma retórica "antiimperialista", de corte leninista, amplamente utilizada depois por Stalin, não pode encobrir uma outra afinidade, a deste projeto com o nazismo, que, relembremos, significa "nacional-socialismo".

Deixemos de lado a retórica chavista, por carecer de verossimilhança, segundo a qual o seu objetivo militar consiste na defesa do país contra um ataque do "império". Em caso de guerra com os EUA, este país teria condições de destruir tudo o que Chávez comprou e comprará em alguns minutos, se tanto. Os seus Sukoi-30, os seus submarinos e os seus mísseis não serviriam para nada. Tudo o mais é pura retórica de um demagogo que procura agrupar em torno de si uma esquerda latino-americana atrasada, em busca de um ídolo.

O problema muito mais decisivo é o de suas milícias, que seriam armadas com 1 milhão de fuzis. Para o que servem precisamente? Ora, só pode ser para controlar e disciplinar o povo e, se necessário for, assassinar os opositores. O seu modelo deve ser buscado em Hitler, que constituiu uma força desse tipo, as famigeradas SS. Essa força político-policial cumpria precisamente com essa função, criando uma situação que Hannah Arendt considerou como sendo própria do "terror". Não esqueçamos que essa pensadora elaborou o conceito de totalitarismo para dar conta dessas duas experiências históricas, que atentaram contra os maiores valores da Humanidade.

Chávez segue também os passos de Hitler. A nova SS é, agora, denominada de forças "bolivarianas", que respondem diretamente ao ditador. Os ataques aos estudantes venezuelanos são, somente, o início desse percurso, cuja finalidade reside no aparelhamento policial de toda a sociedade venezuelana. Observe-se que Chávez, ao formar esse poder paralelo, procura curto-circuitar os próprios órgãos do Estado como as Forças Armadas e a Polícia. O mais plausível é que delas desconfie por abrigar opositores ao seu projeto totalitário. O seu ganho suplementar, em bom nacional-socialista, consistiria em criar um clima de completa insegurança pessoal e institucional, quaisquer pessoas e grupos podendo ser vítimas das "milícias bolivarianas-SS". A quem recorrer quando atacados, se se trata da força pessoal do próprio ditador?

Há outro paralelismo com Hitler que merece ser destacado: o uso político da guerra. O seu discurso se volta demagogicamente contra os EUA (os nazistas discorriam contra o Ocidente e seus valores decadentes), quando, na verdade, o seu alvo é regional. A corrida armamentista visa a criar uma superioridade militar para conflitos setoriais.

A Venezuela tem problemas fronteiriços com a Guiana, reivindicando um naco de seu território. Com sua superioridade militar - ajudada pela fraca capacidade militar brasileira de dissuasão e por afinidades ideológicas do atual governo -, uma eventual invasão daquele país seria muito plausível. No que diz respeito à Colômbia, além de alguns problemas menores de fronteira, há a afinidade ideológica com as Farc e uma rivalidade política regional. Com a Bolívia, a situação é ainda mais preocupante pela existência de um acordo militar que viabilizaria uma intervenção militar venezuelana com o objetivo de dar sustentação ao projeto "socialista" daquele país.

A novidade reside no modo de conquista do poder para que a democracia totalitária possa, então, ser bem estabelecida. E mesmo aqui a novidade é apenas continental, pois os nazistas também ascenderam ao poder por meios democráticos, através de eleições. Os "socialistas do século XX", por sua vez, fizeram uso direto da violência. Os "socialistas do século XXI", em bons discípulos de Hitler, o fazem por meios democráticos, para suprimir a própria democracia.

DENIS LERRER ROSENFIELD é professor de filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.