Título: Rodada bilionária de petróleo
Autor: Ordoñez, Ramona
Fonte: O Globo, 26/11/2007, Economia, p. 15

Com barril em alta e descoberta de reserva, leilão da ANP deve ultrapassar recorde de R$1 bi.

Obarril do petróleo batendo a casa dos US$100 e a perspectiva da existência de significativas reservas do óleo no Brasil são ingredientes suficientes para atrair o apetite de 67 empresas nacionais e estrangeiras na 9ª Rodada de Licitação de Áreas que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) vai realizar amanhã e quarta-feira. Apesar de os empresários não terem gostado da retirada do leilão, duas semanas antes, de 41 blocos próximos ao campo gigante de Tupi, na Bacia de Santos, e das declarações de algumas autoridades do governo de que poderá mudar a legislação do setor, o Brasil continua atraente. O mercado estima que a ANP poderá obter uma arrecadação recorde no pagamento dos bônus (lances para arrematar os blocos). Na 7ª Rodada, a arrecadação já atingiu a marca histórica de R$1,08 bilhão (a 8ª, realizada no ano passado, foi interrompida por força de liminares judiciais).

O mais alto bônus mínimo exigido pelo governo é de R$19 milhões em Santos, e o mais baixo, de R$8 mil, na Bacia do Rio do Peixe, em terra, na Paraíba. Mas, para muitos especialistas, apesar do interesse, é num clima de incertezas, insegurança e desconfiança que a ANP vai realizar o leilão de 271 blocos, que totalizam 73.078,70 quilômetros. As áreas são de elevado potencial, novas fronteiras e bacias maduras (campos antigos terrestres).

O diretor-geral da ANP, Haroldo Lima, garante que as áreas têm boas perspectivas para óleo e gás natural.

¿ Temos blocos de elevado potencial nas bacias de Santos e de Campos, e áreas de nova fronteira, como as da Bacia do Parnaíba, onde a ANP fez estudos recentes e encontrou indícios de gás natural. Estou certo de que a rodada será um sucesso, trará novos investimentos para o Brasil e continuará a acelerar o crescimento extraordinário da economia do setor de petróleo ¿ destacou Lima.

Blocos retirados eram um atrativo

A 9ª Rodada tem um número recorde de empresas habilitadas: 67, das quais 32 brasileiras e 35 estrangeiras. O maior número registrado até então foi de 44 empresas, na 7ª Rodada. As grandes do setor ¿ como as americanas Chevron, Esso e Devon; a britânica British Petroleum; a holandesa Shell; a francesa Total; a norueguesa Norse; e a própria Petrobras, entre outras ¿ estarão presentes. Dezenove empresas vão participar pela primeira vez de uma licitação da ANP, das quais dez são brasileiras. Um dos destaques é a Companhia Vale do Rio Doce, que já se habilitou em outros leilões, mas nunca fez lances. Entre as estrangeiras estreantes, há empresas de Reino Unido (Emerald, por exemplo), Austrália (Karoon Gas), Cingapura (Petro Latina), Argentina (Polledo), Vietnã (PetroVietnam) e Índia (Reliance).

Mas, segundo um executivo de uma empresa petrolífera estrangeira que prefere não se identificar, muitas dessas empresas habilitadas tinham se inscrito por terem interesse justamente nos blocos retirados pelo governo do leilão. Para esse executivo, a 9ª Rodada só atrairá pequenas e médias empresas em busca de áreas de menor porte, e uma ou outra empresa de grande porte que poderá se interessar por alguma área em águas profundas em novas fronteiras, como os blocos oferecidos nas Bacias do Pará-Maranhão, no Espírito Santo e em Pernambuco.

Sebastião do Rego Barros, ex-diretor-geral da ANP, está otimista e acredita que o resultado da rodada será bom. Isso porque, segundo ele, apesar da retirada dos blocos e da possível mudança na legislação, os elevados preços do petróleo no mercado internacional e a perspectiva de existirem grandes reservas no Brasil, são fatores importantes.

¿ Acho que apesar de tudo a rodada será bem-sucedida, sem dúvida ¿ afirmou Rego Barros.

O advogado especialista em petróleo Raphael Manhãs Martins, do escritório Bastos Tigre, Coelho da Rocha e Lopes Advogados, também acredita que o leilão terá um bom resultado, apesar de todas as incertezas em relação ao futuro do setor petrolífero no Brasil.

¿ O governo está fazendo tudo para aguar o negócio, mas, mesmo assim, acredito que será um sucesso, porque o mercado mundial está muito positivo para novos investimentos ¿ destacou Martin.

José Alexandre Hage, consultor do núcleo de negócios internacionais da Trevisan Consultoria e professor da Trevisan Escola de Negócios, considerou um paradoxo o governo retirar os 41 blocos próximos ao campo de Tupi. Isso porque, segundo o especialista, a megadescoberta na Bacia de Santos deveria ter sido utilizada para atrair os investidores para a 9ª Rodada, não afastá-los.

¿ A retirada dos blocos foi uma verdadeira mão no freio. Parece que o governo está querendo voltar ao tempo do monopólio. Pode ser um pouco desanimador ¿ disse Hage.

Mas o especialista acha que o impacto negativo da retirada dos blocos pode ser revertido se, no futuro, o governo voltar a oferecer essas áreas com novas condições.

¿ Acho que a retirada dos blocos não vai afugentar os investidores, desde que eles voltem a ser oferecidos mais adiante, em condições que assegurem que o país será o maior beneficiado ¿ ressaltou o executivo da Trevisan.

Os investimentos na indústria do petróleo são muito elevados, de longo prazo e têm grandes riscos geológicos. Por isso, os investidores não gostam de correr riscos políticos e regulatórios. Essa é a opinião de Wagner Freire, presidente da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo, que reúne pequenas e médias empresas petrolíferas nacionais e estrangeiras.

¿ Ficamos muito surpresos com a retirada dos blocos, embora não seja de interesse das pequenas empresas. Mas ficamos preocupados com o que isso significa ¿ disse Freire.

Mudança na lei do petróleo é criticada

Alguns empresários e especialistas lembram que o governo e a ANP já sabiam da potencialidade da área do campo de Tupi e de outras regiões situadas no chamado pré-sal (abaixo da camada de sal) há bastante tempo. Por isso, segundo eles, a ANP não deveria ter incluído os blocos na licitação. A sinalização de que o governo pensa em mudar a Lei 9.478 do Petróleo, de 1997, está deixando o setor preocupado. Para a maioria dos empresários e especialistas ouvidos, não é preciso alterar a lei para ajustar os contratos de concessão a bacias com grandes reservas, como Tupi.

¿ A retirada dos blocos às vésperas do leilão foi muito ruim. Mostra instabilidade nas regras no Brasil, o que é péssimo para os investidores ¿ afirmou Freire, contrário a mudanças na lei para introduzir, por exemplo, contratos de partilha.

Rego Barros também não concorda com alterações na lei. Segundo ele, os contratos de concessão são os mais modernos e podem sofrer ajustes sem precisar mudar a lei:

¿ Não é preciso ter outro tipo de contrato. Foi extraordinário não se alterar a lei por todos esses anos. Os contratos de concessão podem ser ajustados para campos gigantes, maduros, para qualquer tipo.