Título: TCU quer explicações da Caixa sobre calote
Autor: Doca, Geralda; Rosa, Bruno
Fonte: O Globo, 27/11/2007, Economia, p. 24

Procurador-geral avaliará se houve favorecimento na concessão de crédito sem exigência de garantias pelo banco

BRASÍLIA e RIO. O procurador-geral junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Lucas Furtado, disse ontem ao GLOBO que pretende pedir, na próxima semana, informações à Caixa Econômica Federal sobre os motivos "do pífio resultado" que a instituição apresentou no terceiro trimestre: queda de 89,4% no seu lucro líquido, de R$590 milhões para R$62,5 milhões, na comparação ao mesmo período de 2006. Dependendo das explicações, ele avaliará com a secretaria do órgão a necessidade de abrir uma auditoria. O objetivo seria detectar se houve algum tipo de favorecimento na concessão de crédito. O calote de micro e pequenas empresas, decorrente de uma explosão dos financiamentos sem planejamento e controle interno, foi uma das principais razões apresentadas pelo banco para o seu baixo desempenho.

A intenção do procurador é esclarecer se houve erro estratégico na generalização do crédito, sem exigir garantias, por exemplo, ou se o calote decorreu da concentração de financiamentos em poucos contratantes, o que poderia configurar favorecimento. Neste último caso, explicou Furtado, o TCU poderá punir os responsáveis e pedir seu afastamento. Já se for configurado erro de gestão, uma auditoria do tribunal não seria relevante, pois a Caixa já identificou o problema e tomou medidas para corrigi-los (criou uma nova estrutura na área de crédito, com vice-presidências específicas para pessoas físicas, empresas e governos).

- Sendo assim, não há muito o que fazer, a não ser lamentar. É claro que esse tipo de erro não aconteceria numa empresa de capital aberto - disse Furtado.

Analistas: bancos privados aumentaram exigências

O banco estatal está na contramão do mercado. A Caixa informou que em outubro deste ano a parcela de financiamentos concedidos a pessoas jurídicas com atraso nas prestações é de 5,3% da carteira, mas não deu detalhes sobre o tempo do débito. Segundo a consultoria Tendências, a média do mercado para créditos a empresas com prestações vencidas há mais de 60 dias é de 2%. A estatal também elevou a provisão para créditos de liquidação duvidosa, ou seja, as reservas para cobrir o calote, para R$545 milhões, 218,7% maior que o valor do mesmo período do ano anterior. Já o Unibanco e o Banco do Brasil, por exemplo, reduziram suas provisões.

Segundo Ariadne Arnosti, analista do Instituto de Ensino e Pesquisa em Administração (Inepad), enquanto as principais instituições aumentam as exigências na concessão de crédito, a Caixa investiu fortemente nos empréstimos sem análise.

- Nos últimos meses, o novo foco do banco foi visível até nos comerciais, com a concessão de crédito sem análise, apenas mostrando a identidade. Essa é a política deles. O fato de a Caixa ser um banco social acabou sendo usado pelo governo para promover mais dinheiro à população. E isso acabou se refletindo no balanço do terceiro trimestre - disse Ariadne.

De acordo com Luís Miguel Santacreu, analista de bancos da Austin Rating, a Caixa está apostando em segmentos (como as micro e pequenas empresas) nos quais os bancos privados investem com parcimônia, já que muitos pequenos negócios acabam fechando as portas após os primeiros anos de vida:

- A taxa de mortalidade entre as micro e pequenas empresas é muito grande. Por isso, a possibilidade de calote é alta. Esse é o preço de atender a camadas mais carentes. O banco errou na mão, pois o provisionamento feito foi muito alto, o que mostra que o crédito concedido é de baixa qualidade.

Denis Blum, da Tendências, ressalta que o calote está em queda no país, com o crescimento de linhas mais seguras, como o crédito consignado, com desconto na folha de pagamento, e o de automóveis, quando o carro é dado como garantia.

Em material distribuído à imprensa, a presidente do banco, Maria Fernanda Coelho, diz que não é apropriado comparar o lucro da Caixa ao dos bancos privados. Segundo ela, o lucro é "adequado ao que se espera de um banco público, que tem um papel preponderantemente social a desempenhar na sociedade brasileira".

O procurador-geral salientou, porém, que não concorda com esse discurso. Os bancos privados apresentam lucros recordes em 2007, e mesmo o Banco do Brasil, que no terceiro trimestre apresentou pequena retração (devido ao custo do novo plano de demissão incentivada), vem se saindo bem.

- Não está deliberado que a Caixa é um banco social e que não visa ao lucro. Ela presta contas ao Banco Central e está sujeita às regras do mercado financeiro - defende Furtado.

Parlamentares dos dois principais partidos de oposição também criticaram o desempenho da Caixa, mas preferiram a cautela até que suas equipes técnicas avaliem o balanço. Eles podem provocar o TCU - órgão auxiliar do Legislativo - a abrir processo para investigar a atuação da Caixa e o eventual uso político da instituição.

- Fiquei curioso e pedi um levantamento à área técnica, que fica pronto amanhã (hoje) - disse o senador Heráclito Fortes (DEM-PI).

O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) também está analisando o balanço para decidir se vai ou não apresentar requerimento para acionar o TCU.

- Os cargos mais importantes da Caixa têm priorizado o interesse político em detrimento do conhecimento técnico - disse o senador.

Em julho, diante de negociações com partidos da base, o presidente Lula autorizou a alocação de nomes aliados na diretoria da Caixa, comandada desde abril de 2006 por Maria Fernanda, funcionária de carreira com ligações petistas. Das 11 vice-presidências, cinco foram mantidas e seis foram trocadas.

Cargos-chave ocupados por indicações políticas

Para a vice-presidência de Fundos de Governo e Loterias, foi nomeado o ex-governador do Rio Moreira Franco, na cota do PMDB. O partido também entrou com o técnico Carlos Antônio de Brito, que foi diretor do BRB no governo Joaquim Roriz (DF) e passou a ocupar a vice-presidência de Pessoa Jurídica. Do governador Jackson Lago (PDT-MA) veio a indicação do ex-secretário de Turismo de São Luís Sergio Pinheiro Rodrigues, para a área de Logística.

O PT teve a cota mais ampla. De Minas veio o ex-deputado estadual e ex-secretário da prefeitura de BH Carlos Gomes Sampaio de Freitas, que ocupa a vice-presidência de Gestão de Pessoas. Outros são o vice-presidente de Controle e Risco, Marcos Roberto Vasconcelos (até então consultor da presidência), Márcio Percival Alves Pinto, vice-presidente de Finanças, e Clarice Coppetti, vice-presidente de Tecnologia e Informação.