Título: Como na Venezuela, reeleição contínua
Autor: Galhardo, Ricardo; Valente, Leonardo
Fonte: O Globo, 27/11/2007, O Mundo, p. 28

Nova carta elimina limite para a permanência de Morales no poder e contraria suas promessas.

BUENOS AIRES. Em setembro de 2002, quando ainda era deputado do Movimento ao Socialismo (MAS), o presidente boliviano, Evo Morales, assegurou que "essa história de reeleição é para que os deputados tenham uma aposentadoria". Em meio à disputa entre o presidente e seus opositores sobre a nova Constituição Política do Estado (CPE), aprovada fim de semana passado pela Assembléia Constituinte, dirigentes da oposição trouxeram à memória a declaração do então deputado do MAS, que após chegar ao governo mudou drasticamente de posição. Em sintonia com o projeto de reforma constitucional elaborado pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, a CPE de Morales elimina qualquer limite a sua eventual permanência no poder.

- Como na Venezuela, um dos objetivos principais da nova constituição boliviana é a reeleição perpétua do presidente. A idéia é identificar o processo revolucionário com uma só pessoa, que passaria a ser considerada fundamental para continuar avançando - explicou o professor da Universidade Maior de San Andrés, Roger Cortez Hurtado, por telefone, de La Paz.

"Fomos obrigados a apressar a votação", diz deputado

Este é, segundo o analista boliviano, apenas um dos aspectos a ser questionado em relação à CPE.

- A Bolívia ainda não está preparada para ter um Estado plurinacional, isso deveria acontecer numa futura etapa. Também acho que não é conveniente a criação de um congresso unicameral, num país de composição étnica tão complexa - afirmou Cortez Hurtado, que também criticou o estabelecimento de vários tipos de autonomias.

A bancada do MAS na assembléia não parece preocupada com a opinião de analistas e opositores do governo. Embora reconheçam que a violência desencadeada pela votação da CPE não era o que se esperava, os representantes do Mas na assembléia insistem em defender o texto aprovado.

- Existem problemas de legalidade, porque fomos obrigados a apressar a votação (violando regras de funcionamento da assembléia). Mas foi necessário, porque estava em risco o futuro da assembléia - argumentou Raúl Prada, do MAS. Para ele, "a questão da reeleição contínua não é tão importante, até porque também foi aprovada a possibilidade de revogar mandatos. Isso a oposição não diz".

- Tudo o que foi aprovado é necessário para refundar nosso país. Incluímos as autonomias, declaramos Sucre a capital constitucional do país, enfim, negociamos aspectos considerados importantes pela oposição. Temos certeza de que a CPE será votada em detalhe e aprovada num referendo, somos otimistas - alegou Prada.

Na ala opositora, o clima é bem diferente. Partidos como o Podemos, liderado pelo ex-presidente Jorge "Tuto" Quiroga, denunciam a ilegalidade do texto aprovado.

- A intenção do MAS não é refundar o país mas prorrogar o mandato do presidente, como Chávez quer fazer na Venezuela. Em 22 meses de gestão, o governo já deixou 27 mortos - lamentou José Antonio Aruquipa, da bancada opositora na assembléia.