Título: Bolívia à beira da ruptura
Autor: Galhardo, Ricardo; Valente, Leonardo
Fonte: O Globo, 27/11/2007, O Mundo, p. 28

PAÍS DIVIDIDO PELA CONSTITUIÇÃO

Departamentos mais ricos se mobilizam e anunciam autonomia em relação a La Paz.

Governadores de cinco departamentos da região mais rica da Bolívia, a chamada Meia Lua, se reuniram ontem em Santa Cruz de La Sierra para rechaçar a nova Constituição - aprovada em primeira instância sábado em um quartel sem a participação da oposição - e anunciar uma Carta Autonômica Constitucional, uma espécie de Constituição paralela, imposta de forma unilateral e que põe a região a um passo de formalizar a independência. Segundo o governador de Santa Cruz, Rúben Costa, a Carta é uma clara resposta à Constituição.

-- Fizemos uma reunião de emergência para analisar a situação. Amanhã (hoje) vamos continuar esta reunião. Posteriormente, vamos nos reunir com as instituições de Santa Cruz para avaliarmos a Carta Autonômica. Esta noite (ontem), a Carta será lida para que o país possa conhecê-la e seguramente tomaremos as medidas necessárias, pois não aceitamos a nova Constituição (da Bolívia), um panfleto feito entre quatro paredes com uma baioneta, com o luto e com o enfrentamento, cujas causas têm um só responsável: o presidente da República, que tem as mãos manchadas de sangue - disse Costa, no aeroporto de Santa Cruz, enquanto despachava para Sucre um lote de remédios para os mais de 200 feridos nos choques entre policiais e manifestantes.

Segundo ele, a Carta Autonômica não é uma alternativa, mas a única opção para evitar o aprofundamento das divisões entre os bolivianos

- Uma Constituição imposta dessa forma não tem nenhum valor e ratifica nossa posição de que deve haver uma resistência civil. Por isso, vamos explicar artigo por artigo o que significa essa Carta Autonômica e propor isso não como alternativa mas como único caminho - disse, afirmando ainda que uma greve de 48 horas foi convocada a partir de hoje em toda a Meia Lua e em Chuquisaca.

Morales lidera marcha em El Alto

Apoiados pelos empresários locais, os governadores da Meia Lua defendem autonomia dos departamentos para poderem administrar os recursos provenientes da exploração dos hidrocarbonetos e demais riquezas minerais. O território formado pelos departamentos da região representa cerca de 70% da Bolívia, gera a maior parte da riqueza do país e tem os melhores indicadores sociais de um dos Estados mais pobres do continente.

No mesmo tom do governador, o presidente do Comitê Cívico de Santa Cruz, Branko Marinkovic, disse que seu departamento jamais aceitará a nova Constituição da Bolívia e que a autonomia já é um fato.

- Não vamos nos submeter a uma Carta feita de forma autoritária. A autonomia de Santa Cruz foi aprovada pela população numa consulta popular e a Constituição que apresentamos hoje (ontem) é resultado disso. Vamos criar um novo Legislativo e novas formas de gestão - disse.

Ontem, militantes radicais de Santa Cruz invadiram e saquearam escritórios do governo central no departamento. As autoridades, no entanto, não informaram o que foi levado.

Já o presidente Evo Morales liderou ontem uma marcha em El Alto a favor da Constituição e pediu ontem à Assembléia Constituinte que termine de aprovar o mais rápido possível a nova Constituição:

- A Carta foi aprovada em primeira instância, mas ainda precisa ser aprovada artigo por artigo. Tenho muita confiança em nossos constituintes.

Morales também atacou governadores e líderes de comitês cívicos contrários à Constituição.

- Alguns dirigentes cívicos, alguns governadores estão pensando apenas em suas empresas para enriquecerem mais. Não estão pensando no povo boliviano. Essa oposição ocorre principalmente quando defendemos temas importantes para o país - disse o presidente.